Pedido falência. Títulos crédito. Valor. Teoria aparência. Grupo econômico. Falta de provas.

 

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

FALÊNCIA - TÍTULO DE CRÉDITO - VALOR - ART. 94, I, DA LEI 11.101/2005 - INOBSERVÂNCIA - GRUPO ECONÔMICO - AUSÊNCIA DE PROVA - TEORIA DA APARÊNCIA - INAPLICABILIDADE - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO

Ementa: Pedido de falência. Títulos de crédito. Valor. Teoria da aparência. Grupo econômico. Falta de provas.

- Nos termos do art. 94, inciso I, da Lei nº 11.101/05 - nova Lei de Falências -, para a decretação da falência por impontualidade, mister que o credor seja detentor de títulos executivos não pagos no valor correspondente ou superior a 40 (quarenta) salários mínimos. Se não preencher dito requisito, pode formar litisconsórcio ativo com outros credores, a fim de perfazer tal valor, nos termos do parágrafo primeiro do mesmo artigo.

- Se a autora não traz aos autos títulos da requerida, em seu benefício, em montante que perfaça tal valor, correta a sentença que extinguiu o feito sem resolução de mérito. O fato de ter carreado aos autos títulos emitidos por outra sociedade empresária, não nominada na inicial, não leva à aplicação da teoria da aparência, invocada somente em impugnação à contestação, onde se afirmou a existência de grupo econômico entre ambas. À míngua de provas dessa alegação, é de se rejeitar esta tardia tentativa de introduzir nova causa de pedir à lide.

Apelação Cível ndeg. 1.0525.06.092505-0/001 - Comarca de Pouso Alegre - Apelante: Colordex Comércio de Produtos Têxteis Ltda. - Apelada: Estamparia de Tecidos Enova Ltda. - Relator: Des. Edivaldo George dos Santos


A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em rejeitar preliminar e negar provimento.

Belo Horizonte, 7 de agosto de 2007. - Edivaldo George dos Santos - Relator.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES. EDIVALDO GEORGE DOS SANTOS - Conheço do recurso interposto, uma vez que presentes os pressupostos de sua admissibilidade.

Cuida-se de pedido de falência aforado por Colordex Comércio de Produtos Têxteis Ltda. em face de Estamparia de Tecidos Enova Ltda. - ME, pelo qual objetiva a decretação da quebra da requerida, sendo o feito, entretanto, julgado extinto, sem resolução de mérito, pelo r. Juiz de primeiro grau, reconhecendo a falta de interesse processual da autora em pedir falência com base em crédito de pequeno valor.

Não se conformando com a sentença, a autora interpôs recurso de apelação, alegando, preliminarmente, ofensa ao contraditório e à ampla defesa; e, no mérito, que a tendência do direito moderno é reconhecer a eficácia de situação aparente; que o princípio da boa-fé integra os requisitos para sua admissão, devendo ser observados os deveres de informação e lealdade, de modo que a confiança salte aos olhos; que ambas as sociedades empresárias mencionadas nos autos pertencem ao mesmo grupo econômico, confundindo-se seus negócios; que, sendo assim, impõe-se a aplicação, na hipótese, da teoria da aparência, culminando, então, por pedir o provimento do recurso.

Data venia, analisando com o devido apreço a questão ora posta, vejo que o inconformismo da apelante não merece prosperar:

Preliminarmente: Ofensa ao contraditório e à ampla defesa.

Sustenta a apelante, em sede de preliminar, que teria ocorrido afronta ao contraditório e à ampla defesa ao não lhe ser permitido produzir prova do grupo econômico e da aplicação da teoria da aparência ao caso em tela.

Colhe-se destes autos que a apelante pugnou, aleatoriamente, na petição inicial desta ação pela produção de todas as provas em direito admitidas. Depois de apresentada contestação pela apelada, manifestou-se sobre a ofensa ao art. 94, inciso I, da Lei de Falências e, naquela oportunidade, não pugnou pela produção de qualquer prova hábil para corroborar sua alegação de existência de grupo econômico entre as pretensas devedoras apontadas nos títulos de f. 14/17.

Aliás, essa alegação, como se verá adiante, constitui verdadeira inovação à lide, visto que, na inicial, a apelante não mencionou tal assunto, limitando-se a acostar títulos em nome de duas pessoas jurídicas distintas. Somente depois de apresentada a contestação pela apelada, assim como depois do parecer ministerial de f. 65/67, é que passou a mencionar que as referidas sociedades empresárias pertencem a um mesmo grupo econômico e a invocar a aplicação da teoria da aparência. Entretanto, é de se frisar que em nenhuma dessas oportunidades pugnou pela produção de qualquer prova nesse sentido.

Portanto, à míngua de falta de interesse da apelante em produzir provas sobre essa inovação da causa da pedir, não há que se falar em cerceamento de defesa ou em ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Em face do exposto, rejeito a preliminar eriçada.

Mérito.

Quanto ao mérito, conforme já adiantado alhures, o ínclito Juiz singular extinguiu o presente pedido de falência, sem resolução de mérito, ao fundamento de que não foi atendido o disposto no art. 94, inciso I, da Lei nº 11.101/05 - a nova Lei de Falências. Citado dispositivo legal exige que o requerente seja credor de títulos executivos em valor superior a 40 (quarenta) salários mínimos, permitindo, entretanto, que mais de um credor some seus créditos a fim de perfazer tal valor, nos termos do seu SS 1º. Colha-se seu teor:

"Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:

I - sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários mínimos na data do pedido de falência;

[...]

SS 1º Credores podem reunir-se em litisconsórcio a fim de perfazer o limite mínimo para o pedido de falência com base no inciso I do caput deste artigo".

Analisando os autos, o ilustre Juiz a quo percebeu que foram acostados à inicial títulos de crédito pertencentes a pessoas jurídicas diversas, não atingindo a apelante, sozinha, o valor mínimo estipulado pelo citado dispositivo legal.

Em suas razões de apelo, a apelante repete argumentos deduzidos somente na impugnação à contestação, os quais pretenderam introduzir verdadeira nova causa de pedir à lide. Ou seja, apesar de silenciar completamente na petição inicial, na referida, impugnação a apelante passou a invocar a teoria da aparência, alegando a existência de um grupo econômico, integrado pelas sociedades empresárias Estamparia de Tecidos Enova Ltda. - ME e Estamparia e Comércio de Tecidos Nova Pressa Ltda.

Entretanto, além de constituir vedada inovação, a alegação de existência de um grupo econômico entre as citadas sociedades não se fez acompanhar de qualquer prova. Os documentos carreados aos autos não conduzem a tal conclusão. Como já visto acima, a apelante nem sequer pugnou pela produção específica de provas nesse sentido, vindo somente em razões de apelação a alegar um inexistente cerceamento de defesa. Os requisitos para existência de grupo econômico estão previstos no art. 265, caput, da Lei nº 6.404/76, in verbis:

"Art. 265. A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns".

Colaciono a respeito do tema as notas de Theotônio Negrão:

"Pessoa Jurídica integrante de grupo econômico. 'Dadas as características dos conglomerados financeiros, integrando formalmente ou não grupo de sociedades' (Lei n. 6.404/76, arts. 265 e segs.), apresentam-se eles ao público e à clientela como instituição única, sob denominação abreviada, uniforme e freqüente operando em um só espaço físico, o da agência do Banco comercial, servindo-se as diversas pessoas jurídicas do mesmo quadro funcional. Em tais condições, a diferenciação entre as pessoas jurídicas, conquanto inegável do ponto de vista técnico-jurídico, tem de ser desconsiderada nas relações com pessoa às quais tal diversidade não se dá a conhecer. Aplicável é a teoria da aparência e, em nova e peculiar configuração, a doutrina dos 'disregard', de modo a reconhecer-se legitimação passiva do Banco comercial mesmo que figurante da relação jurídico-material seja a companhia de crédito imobiliário. Essa solução faz parte do elenco de medidas indispensáveis à asseguração de tutela jurisdicional efetiva ao litigante eventual em face do poderoso, onipresente e multímodo litigante habitual (RJTJERGS)" (CPC e legislação processual em vigor. 35. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 283).

Atento ao dispositivo legal supracitado, bem como à lição doutrinária acima, vejo que, na hipótese aqui tratada, não há que se falar em aplicação da teoria da aparência, ante a falta de prova de que as sociedades acima componham um mesmo grupo econômico. Viu-se, acima, que as sociedades possuem denominações distintas, assim como os documentos trazidos aos autos demonstram que estão sediadas em locais diferentes. O único ponto em comum seria a participação do sócio José Lauro de Siqueira Pereira (f. 12). Contudo, a prova carreada aos autos nem sequer dá condições de se averiguar qual a sua participação societária na sociedade Estamparia e Comércio de Tecidos Nova Pressa Ltda., não havendo como se saber se, na prática, controla as duas sociedades. Conclui-se, então, que, para o acolhimento dessa pretensão, mister que viesse aos autos a prova de confusão patrimonial entre as duas sociedades.

Da análise do seguinte precedente do colendo STJ, percebe-se, a contrario sensu, que, na hipótese destes autos, não restaram evidenciados os requisitos necessários para a aplicação da teoria da aparência:

"Ementa: Aquisição de veículo dentro de concessionária do mesmo grupo da companhia de arrendamento mercantil. Carro avariado vendido como novo. Teoria da aparência. Aplicabilidade. Relação de consumo. Caracterização. Responsabilidade do fornecedor. Rescisão do contrato e indenização por danos morais. Cabimento. Quantum indenizatório. Padrão de razoabilidade. Redução. Descabimento.

- I. A concessionária integrante do mesmo grupo da companhia de arrendamento mercantil é parte legítima passiva para responder à ação de indenização por danos materiais e morais proposta por adquirente de automóvel dito zero quilômetro, que vem a descobrir, em ulterior perícia, que o veículo já havia sofrido colisão. A responsabilidade existe, ainda que o negócio tenha se efetivado por meio de contrato de leasing , porquanto celebrada a avença no interior da empresa revendedora, diretamente com seus empregados, circunstância que autoriza a aplicação da teoria da aparência, cujo escopo é a preservação da boa-fé nas relações negociais, afastando a interpretação de que o contrato foi firmado com terceiro. Está evidenciado que a ação reparatória teve origem em conduta ardilosa da própria concessionária, não havendo como ser afastada, portanto, sua responsabilidade pelos prejuízos que foram causados ao consumidor, o qual não teria celebrado o negócio se lhe fossem dados conhecer os defeitos do veículo.

- II. Versa a hipótese, ademais, relação consumerista, sujeita às regras protetivas do Código de Defesa do Consumidor, que prevê, em seu artigo 18, a responsabilização do fornecedor, quando comprovada sua culpa pelo vício de qualidade do produto, não importando sua relação direta ou indireta, contratual ou extracontratual com o consumidor.

- III. Fixado o valor da reparação por danos morais dentro de padrões de razoabilidade, faz-se desnecessária a intervenção deste Superior Tribunal. Recurso especial não conhecido" (STJ: REsp nº 369971/MG, 3ª T., Rel. Min. Castro Filho, v.u., DJ de 10.02.2004, p. 247).

Portanto, correta a sentença ao afirmar que não foi preenchido o requisito exigido pelo art. 94, inciso I, da Lei de Falências.

Com tais considerações, nego provimento ao recurso e confirmo a bem lançada sentença.

Custas, na forma da lei.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Wander Marotta e Belizário de Lacerda.

Súmula - REJEITARAM PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO.


Fonte: Jornal "Minas Gerais" - 18/01/2008

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