Durante o processo de falência, a suspensão judicial dos protestos, por meio
de liminar em ao reconhecimento de paternidade é válido se reflete a
existência duradoura do vínculo sócio-afetivo entre pais e filhos. Com esse
entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça cassou o
acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDF) que
anulou declaração de paternidade feita por M.S.B. em favor de A.C.M.B.,
pouco antes de sua morte, por considerar que houve falsidade ideológica do
registro civil.
Em outubro de 2001, O. de S.B., irmã de M.S.B., ajuizou ação declaratória de
inexistência de parentesco alegando que A.C.M.B. não era sua sobrinha
biológica e que o reconhecimento feito antes do falecimento do irmão teria
sido simulado, caracterizando falsidade ideológica. O TJDF julgou o pedido
procedente para anular o registro civil e determinar a retirada do sobrenome
paterno e a exclusão do nome dos avós paternos. A.C.M.B. interpôs embargos
de declaração que foram rejeitados pelo Tribunal.
No recurso especial ajuizado no STJ, A.C.M.B. sustentou que, enquanto o TJDF
reconheceu a ausência de paternidade biológica como causa suficiente para a
anulação do registro civil, outros Tribunais teriam considerado tal fato
irrelevante quando ausentes quaisquer vícios do ato jurídico, como erro,
dolo, simulação, coação e fraude, mas presente a filiação sócio-afetiva.
Observou, ainda, que, com a manutenção do acórdão recorrido, os bens que lhe
foram deixados como legítima seriam herdados pela tia.
Acompanhando o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, a Turma, por
unanimidade, entendeu que a ausência de vínculo biológico é fato que, por si
só, não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato
do reconhecimento, já que a relação sócio-afetiva não pode ser desconhecida
pelo Direito.
O voto
Em seu voto, a relatora detalhou a evolução legislativa e jurídica do
conceito de filiação e citou jurisprudência e precedentes que permitiram o
amplo reconhecimento dos filhos ilegítimos. Nancy Andrighi reconheceu que o
STJ vem dando prioridade ao critério biológico para o reconhecimento da
filiação nas circunstâncias em que há dissenso familiar, em que a relação
sócio-afetiva desapareceu ou nunca existiu.
“Não se podem impor os deveres de cuidado, de carinho e de sustento a alguém
que, não sendo o pai biológico, também não deseja ser pai sócio-afetivo.
Mas, se o afeto persiste de forma que pais e filhos constroem uma relação de
mútuo auxílio, respeito e amparo, é acertado desconsiderar o vínculo
meramente sanguíneo, para reconhecer a existência de filiação jurídica”,
ressaltou a ministra em seu voto.
De acordo com os autos, mesmo ciente de que não era o pai biológico de
A.C.M.B., M.S.B. criou-a como filha desde o seu nascimento, em 1980, e optou
por reconhecê-la como tal, muito embora não fosse seu genitor. Segundo a
ministra, o que existe no caso julgado é um pai que quis reconhecer a filha
como se sua fosse e uma filha que aceitou tal filiação. “Não houve dissenso
entre pai e filha que conviveram, juntamente com a mãe, até o falecimento.
Ao contrário, a longa relação de criação se consolidou no reconhecimento de
paternidade ora questionada em juízo.”
Para Nancy Andrighi, paternidade sócio-afetiva e biológica são conceitos
diversos e a ausência de uma não afasta a possibilidade de se reconhecer a
outra.
Assim, por unanimidade, a Turma deu provimento ao recurso especial para
cassar o acórdão recorrido, julgar improcedente a ação declaratória de
inexistência de parentesco ajuizada pela tia e inverter os ônus pelo
pagamento de todos os gastos decorrentes da atividade processual. O STJ
também reformou a decisão do TJDF que impôs à recorrente o pagamento de
multa pela interposição de embargos de declaração com intuito
procrastinatório. Para o STJ, os embargos tinham nítido caráter de
prequestionamento. |