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05/11/2014

Artigo - Princípio da Concentração na Matrícula - MP 656/2014 - Dr. Marcelo Couto

PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO NA MATRÍCULA – MP 656/2014

 

Marcelo de Rezende Campos Marinho Couto

Oficial do Registro de Imóveis de Tarumirim/MG

 

A Medida Provisória 656, de 07 de outubro de 2014[1], e que entra em vigor em 07 de novembro de 2014[2], positiva em nosso ordenamento o princípio da concentração na matrícula, cuja existência já era reconhecida na doutrina nacional há algum tempo, e recepcionada pelo Código de Normas Extrajudicial do Estado de Minas Gerais[3].

De acordo com este princípio,  todas as ocorrências relevantes ao imóvel, ou aos titulares dos direitos reais, devem ser lançados na matrícula, como forma de possibilitar a publicidade ampla e garantir interesses de terceiros.

Apesar de ter bastante relação com o princípio da Publicidade, a Concentração guarda identidade com a norma de conduta atualmente exigida das pessoas, também chamada de “boa-fé objetiva”. No direito moderno, não basta o estado psíquico de boa-fé, conceituado como o “desconhecimento de vício que atinja seu direito”. Hoje, exige-se que as pessoas tenham uma postura pautada na ética, devendo seus atos serem analisados conforme sua exteriorização, conforme se repercutem na esfera de terceiros, conforme a confiança gerada.

Mas o que esta “norma de conduta” tem a ver com a lei recém-publicada?

Segundo o artigo 10 da Medida Provisória,“os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes” quando não houver sido averbado ou registrado na matrícula informações referente a ações, penhoras e outras constrições judiciais, restrições administrativas e convencionais, ônus reais, e todas as demais situações jurídicas que se contraponham ao direito que se pretende constituir.

Ou seja, o que se preceitua é que todo ato (judicial, administrativo ou voluntário/contratual) que diga respeito ao bem ou a seu titular DEVE estar inscrito na matrícula do imóvel, para que possa ser oposto a terceiros.

A norma de conduta exigida de todas as pessoas (cidadão, Judiciário, Poder Público), como forma de concretização da boa-fé objetiva e de uma eticidade intersubjetiva, é levar a conhecimento de todos os atos que digam respeito aos bens imóveis, publicidade esta obtida com o registro ou averbação na matrícula do imóvel.

De outro lado, por parte de quem adquire determinado bem ou direito real, incluindo aqui o direito real de garantia oriundo de financiamentos imobiliários, o que se exige é também uma conduta objetiva: extrair a certidão imobiliária e identificar a existência de eventual ônus, ação ou restrição existente sobre bem.

A mudança de orientação é significativa e necessária, pois não se pode admitir que compradores e credores sejam surpreendidos por atos pretéritos não noticiados na matrícula, e terem que discutir se seu direito deve prevalecer sobre o de alguém que não agiu com prudência.

Se é certo que a jurisprudência já adota hoje tal orientação em inúmeras circunstâncias, há casos, contudo, em que se atribui ao comprador o ônus de suportar o desfazimento do negócio ou a perda do bem, em razão de não ter sido “diligente” o suficiente para pesquisar a existência de ações contra o antigo proprietário.

Sabemos que nosso Poder Judiciário é dividido em vários órgãos e comarcas, existindo os Tribunais Superiores (STF, STJ, TST, TSE, TSM), a Justiça Federal (com 5 TRF), a Justiça do Trabalho (com 24 TRT), a Justiça Eleitoral (com 27 TRE), as Justiças Militares Estaduais, além da Justiça Estadual (organizada em cada Estado e no DF), sendo toda a primeira instância subdividida em Comarcas. Em Minas Gerais, por exemplo, inexiste uma pesquisa que possibilite saber a existência de ações contra determinada pessoa em todo o Estado. Em muitas comarcas, são necessárias pesquisas distintas para saber se alguém possui ações na justiça comum e no Juizado Especial.  O ônus imposto ao cidadão pelo Poder Público é enorme, e de custo elevado, já que algumas certidões são pagas, dependem de pedido por escrito, e não são extraídas pela internet.

O princípio da concentração da matrícula resolve este imbróglio, e dispensa, na lavratura da escritura, a apresentação de certidão de feitos ajuizados (art. 15 da MP 656/2014, que altera a redação do artigo 1o, parágrafo 2o, da Lei 7.433/85).

Com esta nova norma de conduta, dar publicidade ao ato de seu interesse é  DEVER do interessado, seja ele o autor de uma ação de cobrança, o Poder Público em relação às restrições administrativas (incluindo tombamento e desapropriação), o credor nas ações executivas, ou o adquirente de qualquer direito real sobre o imóvel, na hipótese de não registrar seu título. E esta publicidade deve-se dar através da inscrição do ato na matrícula do imóvel, e não através de publicações fictas em Diários Oficiais, editais, etc. A publicidade que vale é a obtida através do lançamento na matrícula imobiliária, onde deverão se concentrar tais informações.

Visando uma adequação à nova sistemática normativa, a Medida Provisória estabeleceu o prazo de dois anos para que as partes (interessado, Poder Público, Judiciário) encaminhem as informações aos Cartórios de Registros de Imóveis dos atos já existentes,  sendo que os novos atos, praticados a partir de 07.11.2014, já devem ser objeto de averbação imediata na matrícula, sob pena de inoponibilidade a terceiros.

A busca da informação em fonte única (matrícula imobiliária) contribuirá em muito para dar maior segurança aos negócios jurídicos celebrados, diminuindo os riscos do adquirente e do credor, possibilitando diminuição nos prazos para lavratura de escrituras, redução dos juros imobiliários, gerando maior confiança em todo o sistema registral. Segundo o Governo, esta mudança fará com que o Brasil suba seis posições no ranking do Banco Mundial sobre melhores ambientes para negócios[4].

Importante, ainda, salientar, que embora pareça que a norma diga respeito apenas a ações judiciais e restrições administrativas, uma leitura atenta nos mostra que qualquer titular de direito real não registrado correrá grande risco ao não providenciar o imediato registro de seu título.

É bastante comum a prática de compra e venda mediante “contrato de gaveta”, ou a venda “por procuração” (onde o proprietário outorga procuração pública ao comprador para assinar escritura de compra e venda). Nestes casos, ao aplicarmos a nova regra, o que deveria prevalecer: uma penhora decorrente de dívida do antigo proprietário (que já alienou por contrato de gaveta ou procuração) ou a transação feita anteriormente, mas não levada a registro? A nosso ver, com a mudança da sistemática, que encontra amparo nos princípios da eticidade e solidarismo social, na função social e econômica da propriedade, bem como na cláusula geral de boa-fé objetiva, não cabe mais privilegiar a pessoa desidiosa e individualista, em detrimento de quem agiu em conformidade com os ditames sociais, praticando conduta diligente e pautada pela boa-fé. Na concorrência entre o “adquirente de boa-fé” que não registrou seu título e no credor de boa-fé que registrou sua penhora, deve-se, em princípio, privilegiar este último.

A partir do momento que migramos, em definitivo, do conceito oitocentista de boa-fé subjetiva, para a nova ordem da boa-fé objetiva, como norma de conduta social, não podemos considerar como “adquirente de boa-fé” quem oculta seu título (não o levando a registro), descumprindo a lei, deixando de recolher os impostos de transmissão, impedindo que terceiros saibam que possui patrimônio (frustrando inclusive interesses de possíveis credores).


[1] Publicada no DOU de 08.10.2014. A Medida Provisória depende de sua conversão em lei, pelo Congresso Nacional, no prazo de 60 dias (prorrogável por igual periodo), para que tenha eficácia, conforme artigo 62 da Constituição Federal.

[2] Conforme parágrafo primeiro do artigo 8o  da Lei Complementar 95/1998: “A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral.”

[3] Provimento 260/CGJ/2013, art. 621:“IX - da concentração, a possibilitar que se averbem na matrícula as ocorrências que alterem o registro, inclusive títulos de natureza judicial ou administrativa, para que haja uma publicidade ampla e de conhecimento de todos, preservando e garantindo, com isso, os interesses do adquirente e de terceiros de boa-fé.

[4] Notícia veiculada na Folha de São Paulo em 21.10.2014. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/191634-lei-que-agiliza-registro-de-imovel-levara-dois-anos-para-ter-efeito.shtml>. Acesso em: 01 nov. 2014.


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