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    APELAÇÃO CÍVEL - FAMÍLIA - AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER - ADOÇÃO - CUMULAÇÃO 
    DE PEDIDOS - POSSIBILIDADE - GARANTIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA À 
    GENITORA DA CRIANÇA - FINS SOCIAIS DA LEI - ADOÇÃO CONJUNTA - CASAL DO MESMO 
    SEXO - DIREITO RECONHECIDO - NOVA CONFIGURAÇÃO DA FAMÍLIA BASEADA NO AFETO - 
    ESTUDOS QUE REVELAM INEXISTÊNCIA DE SEQUELAS PSICOLÓGICAS NAS CRIANÇAS 
    ADOTADAS POR CASAIS HOMOSSEXUAIS - ABANDONO - SITUAÇÃO DE RISCO - AUSÊNCIA 
    DE ZELO NO TRATAMENTO DO MENOR - BOA ADAPTAÇÃO DA CRIANÇA AO NOVO AMBIENTE 
    FAMILIAR - RELATÓRIOS SOCIAIS E PSICOLÓGICOS FAVORÁVEIS À PRETENSÃO DAS 
    REQUERENTES - EXISTÊNCIA DE PROVAS A RECOMENDAREM A MANUTENÇÃO DO INFANTE 
    COM O PAR PARENTAL AFETIVO, COM OS QUAIS VIVE ATUALMENTE - RECURSO 
    DESPROVIDO  
     
    - Não obstante a adoção não implicar, automaticamente, a destituição do 
    poder familiar, se garantidos à genitora da criança, que não concorda com o 
    deferimento do pleito inicial, os princípios do contraditório e da ampla 
    defesa, nada impede a cumulação dos pedidos. Hão de se relativizar os 
    aspectos processuais em detrimento do melhor interesse da criança. Mesmo 
    constatada a ausência do procedimento prévio de destituição do poder 
    familiar, se o processo atingiu sua finalidade e não causou prejuízos ao 
    menor, não há razão para extingui-lo.  
     
    - Considerando o avanço da sociedade, bem como as novas configurações da 
    entidade familiar, mormente em atenção aos princípios constitucionais da 
    igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana, não há que se falar em 
    impedimento à adoção de crianças por casais do mesmo sexo, em observância, 
    ainda, aos diversos estudos que concluem pela inexistência de sequelas 
    psicológicas naquelas provenientes de famílias homoafetivas, bem como diante 
    da ausência de óbice legal.  
     
    - Evidenciada nos autos a situação de risco em que se encontrava o menor na 
    companhia da mãe biológica, além de os demais familiares não demonstrarem 
    interesse em sua criação, e constatadas as boas condições em que a criança 
    se encontra após ter sido acolhida em família substituta que pretende 
    adotá-la, deve ser concedido o pedido de destituição do poder familiar e a 
    consequente adoção pleiteada por aquelas que mantêm verdadeiros laços 
    afetivos com o infante, dando-lhe carinho e condições materiais para que 
    tenha um crescimento saudável, independentemente do fato de serem as 
    adotantes duas mulheres.  
     
    Apelação Cível n° 1.0480.08.119303-3/001 - Comarca de Patos de Minas - 
    Apelante: Ministério Público do Estado de Minas Gerais - Apelados: J.S.B. e 
    outra - Relator: Des. Armando Freire  
     
    A C Ó R D Ã O 
     
    Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do 
    Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Eduardo Andrade, 
    incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos 
    julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar 
    provimento ao recurso.  
     
    Belo Horizonte, 24 de maio de 2011. - Armando Freire - Relator.  
     
    N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S 
     
    Proferiu sustentação oral, pelas apeladas, o Dr. Abelardo Medeiros Mota.  
     
    DES. ARMANDO FREIRE - Sr. Presidente. Registro que acompanhei, com atenção, 
    a sustentação oral do ilustre advogado.  
     
    De fato, procede a colocação do ilustre advogado quanto à relevância do 
    julgamento.  
     
    Tenho trinta anos de exercício da judicatura, desde quando ingressei na 
    Magistratura aos 29.06.1981. E hoje fico imaginando se, no início da minha 
    judicatura, decidiria eu da mesma forma como vou decidir hoje. Acho que, 
    dificilmente, seria a mesma decisão. E faço esse registro, Sr. Presidente, 
    com o testemunho de quem ao longo desses anos sempre esteve preocupado em 
    perceber e acompanhar a evolução do Direito.  
     
    Ao longo desses trinta anos, então, quanta coisa mudou nos diversos setores 
    da vida como um todo e, neste particular, as mudanças, as alterações, os 
    avanços aconteceram. De certo modo, sinto-me recompensado neste meu 
    exercício de poder, nesse contexto, decidir questão de tamanha relevância.
     
     
    Faço esse registro para dizer que o que compensa essa nossa atividade tão 
    difícil - é um sacerdócio, realmente, muitas vezes incompreendido - é 
    podermos acompanhar e ser agentes dessa evolução, vivenciando tudo isso, 
    aplicando o Direito sem perder a sensibilidade que devemos reservar a cada 
    julgamento, instrumento da paz e harmonia social, da promoção e resguardo da 
    dignidade humana.  
     
    Meu voto é o seguinte:  
     
    Tratam os autos de ação de destituição do poder familiar c/c adoção ajuizada 
    por J.S.B. e L.B.L., a favor do menor J.G.J., em face de J.J.A.  
     
    Alegam as autoras que vivem em união estável homoafetiva há nove anos. Que, 
    na intenção de constituir família, pretendem adotar o menor, nascido aos 12 
    de outubro de 2008. Sustentam que a mãe da criança não possui condições 
    financeiras, afetivas e psicológicas de criar o menino, que se encontra em 
    situação de risco. Asseveram que preenchem todos os pressupostos legais para 
    adotar a criança. Aduzem que têm perfeitas condições de prover o sustento do 
    menor, além de proporcionar-lhe uma vida com carinho e afeto.  
     
    A inicial veio instruída com as peças de f. 07/54.  
     
    Guarda provisória da criança deferida às autoras em 07 de novembro de 2008 
    (f. 108/110).  
     
    A contestação da ré foi apresentada às f. 117/120.  
     
    Relatórios sociais, psicológicos e informativos juntados às f. 61/64, 65/73, 
    92/93, 132/136, 137/140, 147/149, 150/151.  
     
    Em audiência de instrução, verificou-se a ausência da mãe biológica do menor 
    (f. 192).  
     
    Parecer final do Ministério Público, f. 193/195.  
     
    Manifestação da Defensoria Pública à f. 196.  
     
    Na sentença de f. 199/205, o digno Juízo de origem julgou procedente o 
    pedido das autoras, declarando a perda do poder familiar pela ré e deferindo 
    o pedido de adoção, atribuindo-se ao menor a condição de filho das autoras.
     
     
    Irresignado, o i. Ministério Público apelou (f. 207).  
     
    Em razões de f. 208/215, alega, preliminarmente, a nulidade do processo em 
    razão da cumulação dos pedidos de destituição do poder familiar e de adoção. 
    Sustenta que há impossibilidade jurídica do pedido, porquanto a destituição 
    do pátrio poder deve ser decretada em procedimento autônomo e anterior ao 
    pedido de adoção. No mérito, assevera que o adotando tem o direito de 
    permanecer em sua própria família. Pontua que, durante todo o processo, a 
    mãe da criança requereu que o filho fosse entregue à tia que reside no 
    Estado de Goiás, constando, inclusive dos estudos psicossociais realizados, 
    seu nome completo, endereço e telefone. Narra que, não obstante isso, o MM. 
    Magistrado a quo ignorou os pedidos do Parquet de realização do estudo 
    social com a tia. Aduz que a adoção de menor por casal homossexual poderá 
    gerar-lhe constrangimentos futuros, visto que terá que se apresentar como 
    filho de duas mulheres. Narra que, acaso mantida a sentença, não estará 
    mantido o melhor interesse da criança.  
     
    Pugna, ao final, pelo acolhimento da preliminar de impossibilidade jurídica 
    do pedido, para declarar extinto o processo. Caso rejeitada a prefacial, 
    requer, no mérito, seja julgado improcedente o pedido inicial. 
    Eventualmente, bate-se pela procedência parcial do pedido exordial, com a 
    concessão da adoção apenas para a primeira apelada J.S.B.  
     
    Recurso recebido à f. 216.  
     
    Em contrarrazões de f. 218/228, as apeladas pugnam pela manutenção integral 
    da sentença.  
     
    Em parecer de f. 238/243, a douta Procuradoria-Geral de Justiça opina pelo 
    desprovimento do recurso aviado.  
     
    É o breve relatório.  
     
    Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso interposto.
     
     
    Antes de descer ao mérito, cumpre analisar a preliminar levantada pelo MP.
     
     
    Assevera o ilustre representante do Ministério Público que:  
     
    "o presente processo deve ser declarado nulo, ou extinto, por 
    impossibilidade jurídica do pedido, porque não poderiam ter sido cumulados o 
    pedido de destituição do Poder Familiar da mãe com o pedido de adoção, 
    porque ela se opõe a este. Assim, houve ofensa ao devido processo legal e ao 
    direito à ampla defesa da mãe, ferindo o disposto no art. 5º, LV, da 
    Constituição Federal".  
     
    Não desconheço que a adoção não implica, automaticamente, a destituição do 
    poder familiar, sendo que esta, acaso haja discordância dos pais biológicos, 
    deve ser decretada em procedimento próprio, na forma dos arts. 155 e 
    seguintes do ECA.  
     
    Tal conclusão pode ser inferida do art. 45 do Estatuto da Criança e do 
    Adolescente:  
     
    "Art. 45. A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante 
    legal do adotando.  
     
    § 1º O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente 
    cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder 
    familiar."  
     
    Não olvido, ademais, a orientação do colendo STJ no sentido de que:  
     
    "o deferimento da adoção plena não implica automaticamente a destituição do 
    pátrio poder, que deve ser decretada em procedimento próprio autônomo com 
    esse fim, com a observância da legalidade estrita e da interpretação 
    normativa restritiva, cautela essa imposta não só pela gravidade da medida a 
    ser tomada, uma vez que importa na perda do vínculo da criança com sua 
    família natural, como também por força das relevantes repercussões em sua 
    vida socioafetiva, sob pena de serem ainda desrespeitados os princípios do 
    contraditório e do devido processo legal (artigos 24, 32, 39 a 52, 
    destacando-se o artigo 45 e, ainda, os artigos 155 a 163 do Estatuto da 
    Criança e do Adolescente)". (REsp 283092/SC, Relator: Ministro Castro Filho, 
    DJ de 21.08.2006, p. 245.)  
     
    Contudo, tenho que, se respeitados os princípios do contraditório e da ampla 
    defesa, nada impede a cumulação dos pedidos de adoção com o de destituição 
    do poder familiar.  
     
    Cumpre observar que, na espécie, a ação de adoção cumulada com o pedido de 
    destituição do poder familiar se iniciou com o assentimento da representante 
    legal da mãe biológica do menor (f. 47). Ademais, a genitora da criança foi 
    regularmente citada (f. 115) e acompanhou o processo até decisão final, 
    inclusive não se irresignou contra a r. sentença que declarou a perda do 
    poder familiar, bem como julgou procedente o pedido de adoção.  
     
    Nesse ínterim, se considerarmos a interpretação gramatical do art. 45 da Lei 
    8.069/90, entenderemos pela necessidade de extinção do processo, porquanto 
    não observado o procedimento prévio e autônomo de perda do poder familiar. 
    Entretanto, parece-me que tal obrigatoriedade não tem o condão de nulificar 
    o feito, in casu. Adoto essa conclusão na consideração de que o aludido 
    dispositivo legal não pode ser interpretado isoladamente. Com efeito, em sua 
    exegese, mostra-se necessário considerar a inteligência do artigo 6º do 
    mesmo instrumento normativo, in verbis:  
     
    "Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela 
    se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e 
    coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em 
    desenvolvimento".  
     
    Ressalte-se, ainda, a orientação do art. 5º da Lei de Introdução do Código 
    Civil:  
     
    "Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se 
    dirige e às exigências do bem comum".  
     
    Nesse passo, considero que hão de se relativizar os aspectos processuais em 
    detrimento do melhor interesse da criança, mormente quando garantidos à 
    genitora os princípios processuais atinentes à espécie. Desse modo, 
    extinguir o processo sem resolução do mérito, no presente momento, revela-se 
    formalidade excessiva que só traria prejuízos a todas as partes envolvidas, 
    principalmente à criança.  
     
    Assim é que, mesmo constatada a ausência do aludido procedimento prévio, se 
    o processo atingiu sua finalidade e não causou prejuízos à criança, cujos 
    interesses são protegidos pelo Órgão Ministerial, não há razão para 
    extingui-lo.  
     
    É de se observar, no caso em exame, que os interesses do infante foram 
    preservados, tendo sido alcançado o fim social a que se destina o Estatuto 
    da Criança e do Adolescente. Dessarte, diante da inexistência de prejuízo às 
    partes, evidenciado o efetivo benefício ao menor, devem ser superadas as 
    formalidades e a técnica processuais.  
     
    Nesse sentido, este egrégio TJMG já se manifestou:  
     
    "Apelação cível - Destituição do poder familiar c/c adoção - Menor entregue 
    ao Conselho Tutelar pela mãe biológica - Ausência de procedimento anterior 
    de perda do poder familiar - Irrelevância. - Não há qualquer óbice legal à 
    cumulação da ação em que se pleiteia a adoção de menor com pedido de 
    destituição de poder familiar, principalmente quando os pais biológicos, 
    regularmente citados no pedido de adoção, apresentam suas defesas e 
    acompanham o processo até decisão final, tanto que é comum o procedimento 
    até mesmo por economia processual. Acolhe-se o pedido de adoção se, apesar 
    da resistência dos pais biológicos, a realidade dos autos demonstra que a 
    criança se encontra na guarda dos autores, que exercem efetivamente o papel 
    de pais, proporcionando-lhe todas as condições para um desenvolvimento 
    físico e psicológico saudável''. (Apelação Cível n° 1.0109.06.006020-8/001 - 
    Comarca de Campanha - Relator: Des. Wander Marotta - Data da publicação: 
    06.02.2009.)  
     
    "Adoção cumulada com destituição de pátrio poder. Contestação requerendo a 
    improcedência do pedido. Alegação da ré no sentido de que tem condições de 
    criar o filho e que consentiu por não estar bem psicologicamente. Estudo 
    social favorável aos requerentes. Pedidos julgados procedentes. 
    Inconformismo da mãe biológica. Preliminar de nulidade da sentença por 
    impossibilidade de se cumular ação de destituição com adoção e por vício de 
    consentimento. Inocorrência. Possibilidade de cumulação. Ausência de vício 
    no consentimento. Condição psicológica que não a impedia de discernir sobre 
    as conseqüências do ato. Arrependimento que se deu apenas quando da 
    interposição da ação. Criança totalmente ambientada com os requerentes. 
    Solução que atendeu aos interesses do menor. Mudança que poderá trazer 
    prejuízos para a formação da personalidade da criança, que já tem nos 
    apelados a referência de pai e mãe. Requisitos para a adoção devidamente 
    preenchidos. Recurso a que se nega provimento''. (Apelação Cível nº 
    1.0313.00.013026-7/002 - Comarca de Ipatinga - Relator: Des. Roney Oliveira 
    - Data da publicação: 16.02.2005.)  
     
    "Adoção - Menor entregue ao Conselho Tutelar pela mãe biológica - Ausência 
    de procedimento anterior de perda do poder familiar - Irrelevância. - A 
    sentença que contém o relatório dos fatos importantes do processo, 
    traduzindo a prestação jurisdicional pleiteada, bem como os motivos nos 
    quais o juiz fundamentou seu entendimento não apresenta quaisquer defeitos 
    que a possam anular. Ainda que esteja meramente implícito o pedido de 
    destituição do poder familiar, o requerimento de adoção o contém, pois é 
    este último uma consequência lógica do primeiro. Não há qualquer óbice legal 
    à cumulação de pedidos, o de adoção com o de destituição de poder familiar, 
    principalmente quando a mãe biológica, regularmente citada, apresenta sua 
    defesa e acompanha o processo até decisão final, tanto que é comum o 
    procedimento até mesmo por economia processual. Acolhe-se o pedido de adoção 
    se, apesar da resistência da mãe biológica, a realidade dos autos demonstra 
    que a criança se encontra sob guarda do pai biológico e de sua esposa, estes 
    que exercem efetivamente o papel de pais, proporcionando-lhe todas as 
    condições para um desenvolvimento físico e psicológico saudável''. (Apelação 
    Cível n° 1.0707.09.179167-3/001 - Comarca de Varginha - Relator: Des. Wander 
    Marotta - Data da publicação: 12.02.2010.)  
     
    Diante de tais razões, rejeito a preliminar e passo à análise do mérito 
    recursal.  
     
    Pois bem. Extrai-se dos autos que J.S.B. e L.B.L., conviventes em união 
    homoafetiva há, aproximadamente, onze anos, requereram, conjuntamente, a 
    adoção do menor J.G.J., pedido que foi julgado procedente pelo digno 
    Magistrado do Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Patos de 
    Minas.  
     
    E, em que pesem as razões de que se vale o recorrente, analisando as 
    peculiaridades do caso, tenho que a r. sentença deve ser mantida.  
     
    Como se vê, a questão em exame cinge-se à possibilidade de um casal composto 
    por duas pessoas do mesmo sexo de adotar, conjuntamente, uma criança. E, 
    para tanto, uma série de ponderações hão de ser realizadas.  
     
    Inicialmente, cumpre pontuar que demandas como a aqui analisada são cada vez 
    mais comuns no dia a dia dos juízes e tribunais brasileiros e, ainda que 
    timidamente, vêm provocando a manifestação do Judiciário na procura de 
    atender "as inquietações da família contemporânea" (DIAS, Maria Berenice. In 
    Manual de direito das famílias. 3. ed., p. 27), porquanto o legislador não 
    consegue acompanhar a constante evolução da sociedade.  
     
    O Direito deve cuidar de resolver todas as questões atinentes à nova 
    realidade social, e a complexidade da nova estrutura das famílias não pode 
    ser deixada de lado. Como bem pontuaram Maria Berenice Dias e Rodrigo da 
    Cunha Pereira, no prefácio à terceira edição da obra Direito de família e o 
    novo Código Civil:  
     
    "Não mais se concebe a família como estrutura única. Engessada pelos 
    sagrados laços do matrimônio. Também ela não mais se caracteriza pela 
    presença de um homem, uma mulher e sua prole. Nem sequer necessita haver 
    parentesco em linha reta entre seus integrantes, ou diversidade de sexo 
    entre os seus partícipes, para caracterizar uma entidade familiar. O traço 
    principal que a identifica é o vínculo de afetividade. Onde houver 
    envolvimento de vidas com mútuo comprometimento formando uma estruturação 
    psíquica, isto é, onde houver afeto, é imperioso reconhecer que aí se está 
    no âmbito do Direito de Família.  
     
    O paradoxo entre o direito vigente e a realidade existente, no confronto 
    entre o conservadorismo social e a emergência de novos valores, coloca para 
    o Direito um dilema provocado pela necessidade de implementar os direitos de 
    forma ampliativa.  
     
    As novas formas de convívio fazem necessária uma revisão crítica baseada 
    numa reavaliação dos fatos sociais, para alcançar a igualdade que a 
    Constituição firma como princípio fundamental. Nesse contexto, é 
    indispensável a atuação dos juízes. Imperioso que tomem consciência de que 
    lhes é delegada a função de agentes transformadores dos valores jurídicos, 
    que - se mantidos como estigmas - perpetuam o sistema de exclusão social.
     
     
    Os valores que os tribunais julgam merecer tutela jurídica acabam por 
    receber a aceitação social. Por consequência, surge a possibilidade de 
    cobrar do legislador que regule as situações que a jurisprudência consolida.
     
     
    Os novos paradigmas conduzem à necessidade de rever os modelos 
    preexistentes, atentando-se na liberdade e na igualdade como os pilares do 
    Direito, assentados no reconhecimento da existência das diferenças. Essa 
    sensibilidade, o magistrado deve tê-la. Hoje, a necessidade de assegurar em 
    plenitude os direitos humanos, tanto subjetiva como objetivamente, tanto 
    individual como socialmente, torna imperioso pensar e repensar a relação 
    entre o justo e o legal.  
     
    Os juízes devem enfrentar as novas realidades que lhes são postas à decisão. 
    Não ter medo de fazer justiça e fazê-la".  
     
    Nesse sentido, a entidade familiar passou, ao longo dos tempos, por grande 
    evolução conceitual e, como visto, não mais se limita ao modelo convencional 
    formado por homem e mulher, casados sob o manto da religião e reconhecido 
    pelo Direito, vivendo sob o mesmo teto, juntamente com os filhos. 
    Atualmente, as relações familiares são balizadas do ponto de vista do afeto.
     
     
    A Constituinte, em verdadeiro avanço às concepções anteriores de família, 
    vislumbrou a necessidade de proteger as novas relações afetivas, sobretudo 
    em observância ao novo paradigma vigente, principalmente após a Convenção 
    Americana de Direitos Humanos, assinada pelo Brasil em 1969, de que os 
    direitos e as liberdades das pessoas humanas devem ser respeitados:  
     
    "[...] sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, 
    religião, opiniões políticas ou de qualquer natureza, origem nacional ou 
    social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social" 
    (art. 1º do Pacto de San Jose da Costa Rica).  
     
    Com isso, a Carta Magna de 1988, pautada pelos princípios de liberdade, 
    igualdade e, principalmente em atenção à dignidade da pessoa humana (art. 
    1º, III, CF/88), cuidou de proteger as diversas formas de entidade familiar. 
    Segundo o disposto no art. 226 da CF/88:  
     
    "Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
     
     
    [...]  
     
    § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre 
    o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua 
    conversão em casamento.  
     
    § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por 
    qualquer dos pais e seus descendentes. [...]".  
     
    Entretanto, este rol não tem caráter taxativo. Desse modo, ainda em 
    observância ao princípio da igualdade e à dignidade da pessoa humana, as 
    outras formas de entidade familiar não podem ser excluídas da proteção do 
    Direito. Há de se ressaltar a infinidade de possibilidades de estruturas 
    familiares, sendo inviável o esgotamento de todas no texto constitucional, 
    devendo considerar-se, portanto, como exemplificativa a enumeração vista no 
    art. 226. Assim, nenhum sistema familiar pode ser afastado da proteção 
    jurídica. E, nesse passo, a união entre pessoas do mesmo sexo não pode ser 
    desconsiderada.  
     
    Os Tribunais pátrios já vêm dando à união homoafetiva o tratamento de 
    entidade familiar, equiparando-a a união estável, visto que fundada, como 
    qualquer outra, no afeto. Outro não é posicionamento deste Tribunal de 
    Justiça de Minas Gerais. Confiram-se os seguintes julgados:  
     
    "Direito de família - Ação de reconhecimento de união homoafetiva - Art. 
    226, § 3º, da CF/88 - União estável - Analogia - Observância dos princípios 
    da igualdade e da dignidade da pessoa humana - Possibilidade jurídica do 
    pedido - Verificação. - Inexistindo na legislação lei específica sobre a 
    união homoafetiva e seus efeitos civis, não há que se falar em análise 
    isolada e restritiva do art. 226, § 3º, da CF/88, devendo-se utilizar, por 
    analogia, o conceito de união estável disposto no art. 1.723 do Código 
    Civil/2002, a ser aplicado em consonância com os princípios constitucionais 
    da igualdade (art. 5º, caput e inciso I, da Carta Magna) e da dignidade 
    humana (art. 1º, inciso III, c/c art. 5º, inciso X, todos da CF/88)''. 
    (Apelação Cível n° 1.0024.09.484555-9/001 - Comarca de Belo Horizonte - 
    Relator: Des. Elias Camilo - Data da publicação: 12.02.2010.)  
     
    "Ação ordinária - União homoafetiva - Analogia com a união estável protegida 
    pela Constituição Federal - Princípio da igualdade (não discriminação) e da 
    dignidade da pessoa humana - Reconhecimento da relação de dependência de um 
    parceiro em relação ao outro, para todos os fins de direito - Requisitos 
    preenchidos - Pedido procedente. - À união homoafetiva, que preenche os 
    requisitos da união estável entre casais heterossexuais, deve ser conferido 
    o caráter de entidade familiar, impondo-se reconhecer os direitos 
    decorrentes desse vínculo, sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e 
    da dignidade da pessoa humana. - O art. 226 da Constituição Federal não pode 
    ser analisado isoladamente, restritivamente, devendo observar-se os 
    princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. 
    Referido dispositivo, ao declarar a proteção do Estado à união estável entre 
    o homem e a mulher, não pretendeu excluir dessa proteção a união homoafetiva, 
    até porque, à época em que entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 
    20 anos, não teve o legislador essa preocupação, o que cede espaço para a 
    aplicação analógica da norma a situações atuais, antes não pensadas. - A 
    lacuna existente na legislação não pode servir como obstáculo para o 
    reconhecimento de um direito''. (Apelação Cível/Reexame Necessário n° 
    1.0024.06.930324-6/001 - Comarca de Belo Horizonte - Relatora: Des.ª Heloísa 
    Combat - Data da publicação: 27.07.2007.)  
     
    "União homoafetiva. Pensão. Sobrevivente. Prova da relação. Possibilidade - 
    À união homoafetiva que irradia pressupostos de união estável deve ser 
    conferido o caráter de entidade familiar, impondo-se reconhecer os direitos 
    decorrentes deste vínculo, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais 
    da liberdade, da proibição de preconceitos, da igualdade e dignidade da 
    pessoa humana''. (Apelação Cível/Reexame Necessário n° 
    1.0024.05.750258-5/002 - Comarca de Belo Horizonte - Relator: Des. Belizário 
    de Lacerda - Data da publicação: 23.11.2007.)  
     
    E, acompanhando essa tendência, o Supremo Tribunal Federal, no histórico 
    julgamento da ADI 4.277 e da ADPF 132, ocorrido em 4 de maio de 2011, 
    reconheceu, por unanimidade, a união entre pessoas do mesmo sexo como 
    entidade familiar.  
     
    Nesse ínterim, a concepção da adoção também sofreu significativa mudança no 
    sentimento das pessoas, na doutrina, na jurisprudência e na própria lei, na 
    medida em que deixou de ser tratada como mero ato de caridade do adotante 
    para se revelar um dos mais puros atos de amor.  
     
    A formação de parentesco por opção, pela simples vontade de amar aquele que 
    não possui vínculo biológico com nenhum dos pais, é demonstração de afeto. 
    Nesse sentido, para o deferimento do pedido de adoção, a lei (tanto o Código 
    Civil quanto o ECA) exige tão somente que seja benéfico ao adotando e que o 
    adotante possua condições, morais, psíquicas e materiais para adotar. Não se 
    leva em conta, portanto, raça, sexo, religião, opção sexual do adotante, mas 
    sim, observadas as circunstâncias do caso concreto, a viabilidade de 
    conceder-lhe o direito pleiteado.  
     
    O Estatuto da Criança e do Adolescente, que disciplina a adoção de menores, 
    impõe, para a adoção conjunta, que os adotantes sejam casados civilmente ou 
    que mantenham união estável (art. 42, § 2º, ECA, com redação dada pela Lei 
    12.010, de 2009); não exclui, portanto, a possibilidade de adoção por par 
    homossexual.  
     
    Como ressalta Enézio de Deus Silva Júnior:  
     
    "Diante da vedação constitucional de discriminação de qualquer natureza em 
    razão de sexo, da qual se extrai a proibição ao preconceito com base na 
    orientação sexual, o ECA e o CC não vedam a colocação de 
    crianças/adolescentes em famílias substitutas biparentais homossexuais. Na 
    verdade, constituir um ambiente familiar adequado - emocional e 
    materialmente equilibrado -, que proporcione reais vantagens, benefícios 
    efetivos aos adotandos e vindo-lhes ao melhor interesse, não é prerrogativa 
    somente de heterossexuais ou de relação afetiva entre homem e mulher, mas de 
    seres humanos realmente motivados, preparados para a 
    maternidade/paternidade". (A possibilidade jurídica de adoção por casais 
    homossexuais. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 114.)  
     
    E nesse sentido o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul tem 
    sido pioneiro na concessão de direitos aos pares homossexuais, inclusive com 
    relação ao reconhecimento da possibilidade da filiação homoparental. 
    Confiram-se os seguintes julgados:  
     
    "Apelação cível. Adoção. Casal formado por duas pessoas de mesmo sexo. 
    Possibilidade. - Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção 
    estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de 
    duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, 
    decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam 
    adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que 
    crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade 
    do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e 
    que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e 
    atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura 
    de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada 
    aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição 
    Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo 
    existente entre as crianças e as adotantes. Negaram provimento. Unânime''. 
    (Segredo de justiça.) (Apelação Cível nº 70013801592, Sétima Câmara Cível, 
    Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, julgado em 
    05.04.2006.)  
     
    "Embargos infringentes. Pedido de habilitação. Adoção conjunta por pessoas 
    do mesmo sexo. - Sendo admitida, pela jurisprudência majoritária desta 
    Corte, a união estável entre pessoas do mesmo sexo, possível admitir-se a 
    adoção homoparental, porquanto inexiste vedação legal para a hipótese. 
    Existindo, nos autos, provas de que as habilitandas possuem relacionamento 
    estável, bem como estabilidade emocional e financeira, deve ser deferido o 
    pedido de habilitação para adoção conjunta. Embargos infringentes 
    desacolhidos, por maioria. (Segredo de justiça.)''. (Embargos Infringentes 
    nº 70034811810, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, 
    Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 13.08.2010.)  
     
    O colendo STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 888.852, do Rio Grande 
    do Sul, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, aos 27 de abril de 2010, 
    concedeu à requerente a adoção dos filhos da companheira, que, anos antes, 
    já os havia adotado. Tal acórdão restou assim ementado:  
     
    "Direito civil. Família. Adoção de menores por casal homossexual. Situação 
    já consolidada. Estabilidade da família. Presença de fortes vínculos 
    afetivos entre os menores e a requerente. Imprescindibilidade da prevalência 
    dos interesses dos menores. Relatório da assistente social favorável ao 
    pedido. Reais vantagens para os adotandos. Arts. 1º da Lei 12.010/09 e 43 do 
    Estatuto da Criança e do Adolescente. Deferimento da medida.  
     
    1. A questão diz respeito à possibilidade de adoção de crianças por parte de 
    requerente que vive em união homoafetiva com companheira que antes já 
    adotara os mesmos filhos, circunstância a particularizar o caso em 
    julgamento.  
     
    2. Em um mundo pós-moderno de velocidade instantânea da informação, sem 
    fronteiras ou barreiras, sobretudo as culturais e as relativas aos costumes, 
    onde a sociedade se transforma velozmente, a interpretação da lei deve levar 
    em conta, sempre que possível, os postulados maiores do direito universal.
     
     
    3. O art. 1º da Lei 12.010/09 prevê a `garantia do direito à convivência 
    familiar a todas e crianças e adolescentes'. Por sua vez, o art. 43 do ECA 
    estabelece que `a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens 
    para o adotando e fundar-se em motivos legítimos'.  
     
    4. Mister observar a imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos 
    menores sobre quaisquer outros, até porque está em jogo o próprio direito de 
    filiação, do qual decorrem as mais diversas consequências que refletem por 
    toda a vida de qualquer indivíduo.  
     
    5. A matéria relativa à possibilidade de adoção de menores por casais 
    homossexuais vincula-se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a 
    melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos das crianças, pois 
    são questões indissociáveis entre si.  
     
    6. Os diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema, fundados 
    em fortes bases científicas (realizados na Universidade de Virgínia, na 
    Universidade de Valência, na Academia Americana de Pediatria), `não indicam 
    qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais 
    homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia 
    o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores'.  
     
    7. Existência de consistente relatório social elaborado por assistente 
    social favorável ao pedido da requerente, ante a constatação da estabilidade 
    da família. Acórdão que se posiciona a favor do pedido, bem como parecer do 
    Ministério Público Federal pelo acolhimento da tese autoral.  
     
    8. É incontroverso que existem fortes vínculos afetivos entre a recorrida e 
    os menores - sendo a afetividade o aspecto preponderante a ser sopesado numa 
    situação como a que ora se coloca em julgamento.  
     
    9. Se os estudos científicos não sinalizam qualquer prejuízo de qualquer 
    natureza para as crianças, se elas vêm sendo criadas com amor e se cabe ao 
    Estado, ao mesmo tempo, assegurar seus direitos, o deferimento da adoção é 
    medida que se impõe.  
     
    10. O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica. Vale 
    dizer, no plano da `realidade', são ambas, a requerente e sua companheira, 
    responsáveis pela criação e educação dos dois infantes, de modo que a elas, 
    solidariamente, compete a responsabilidade.  
     
    11. Não se pode olvidar que se trata de situação fática consolidada, pois as 
    crianças já chamam as duas mulheres de mães e são cuidadas por ambas como 
    filhos. Existe dupla maternidade desde o nascimento das crianças, e não 
    houve qualquer prejuízo em suas criações.  
     
    12. Com o deferimento da adoção, fica preservado o direito de convívio dos 
    filhos com a requerente no caso de separação ou falecimento de sua 
    companheira. Asseguram-se os direitos relativos a alimentos e sucessão, 
    viabilizando-se, ainda, a inclusão dos adotandos em convênios de saúde da 
    requerente e no ensino básico e superior, por ela ser professora 
    universitária.  
     
    13. A adoção, antes de mais nada, representa um ato de amor, desprendimento. 
    Quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor, é um 
    gesto de humanidade. Hipótese em que ainda se foi além, pretendendo-se a 
    adoção de dois menores, irmãos biológicos, quando, segundo dados do Conselho 
    Nacional de Justiça, que criou, em 29 de abril de 2008, o Cadastro Nacional 
    de Adoção, 86% das pessoas que desejavam adotar limitavam sua intenção a 
    apenas uma criança.  
     
    14. Por qualquer ângulo que se analise a questão, seja em relação à situação 
    fática consolidada, seja no tocante à expressa previsão legal de primazia à 
    proteção integral das crianças, chega-se à conclusão de que, no caso dos 
    autos, há mais do que reais vantagens para os adotandos, conforme preceitua 
    o art. 43 do ECA. Na verdade, ocorrerá verdadeiro prejuízo aos menores, caso 
    não deferida a medida.  
     
    15. Recurso especial improvido''. (REsp 889852/RS - Relator: Ministro Luis 
    Felipe Salomão - DJe de 10.08.2010.)  
     
    Noutro giro, diversos são os estudos conclusivos no sentido de que as 
    crianças adotadas por casais do mesmo sexo não apresentam problemas 
    psicológicos pelo fato de serem filhas de dois pais ou duas mães. Não 
    persistem, pois, as alegações de que podem sofrer preconceito no ambiente 
    escolar, ou de que necessitam da figura materna e paterna como referência de 
    identidade sexual. Maria Berenice Dias, Desembargadora aposentada do TJRS, 
    debruçou-se sobre o assunto e, atualmente, é o grande nome brasileiro e 
    referência no estudo das relações homoafetivas. Em sua obra União 
    homoafetiva: o preconceito & a justiça, destaca:  
     
    "Na Califórnia, desde meados de 1970, vem sendo estudada a prole de famílias 
    não convencionais, filhos de quem vive em comunidade, casamentos abertos, de 
    mães lésbicas ou pais gays. Concluíram os pesquisadores que filhos de pais 
    do mesmo sexo demonstram o mesmo nível de ajustamento encontrado entre 
    crianças que convivem com pais heterossexuais. Nada há de incomum quanto ao 
    desenvolvimento do papel sexual. As meninas são tão femininas quanto as 
    outras, e os meninos tão masculinos quanto os demais. Também não foi 
    detectada qualquer tendência importante no sentido de que os filhos de pais 
    homossexuais venham a se tornar homossexuais. Estudo revela que mais de 90% 
    dos filhos adultos de pais gays são heterossexuais. Deste modo, não há 
    evidência disponível com base empírica para que haja impedimento à adoção 
    por casais homoafetivos, usando como justificativa os efeitos na orientação 
    sexual dos filhos, pois a taxa de homossexualidade é a mesma das famílias 
    heterossexuais.  
     
    Estudos que datam de 1976 constatam que as mães lésbicas são tão aptas no 
    desempenho dos papéis maternos quanto as heterossexuais. Por meio de 
    brinquedos típicos de cada sexo, procuram fazer com que os filhos convivam 
    com figuras masculinas com as quais possam se identificar. Não há mostras de 
    que as mães prefiram que os filhos se tornem homossexuais. Igualmente, não 
    foram detectadas diferenças na identidade de gênero, no comportamento do 
    papel sexual ou na orientação sexual da prole. Todas as crianças pesquisadas 
    relataram que estavam satisfeitas por serem do sexo que eram, e nenhuma 
    preferia ser do sexo oposto. O trabalho concluiu que a criação em lares 
    formados por lésbicas não leva, por si só, a desenvolvimento psicológico 
    social atípico ou constitui fator de risco psiquiátrico". (4. ed. São Paulo: 
    Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 219/220.)  
     
    Desse modo, aos pais cumpre proteger seus filhos das ações preconceituosas, 
    proporcionando-lhes ambiente saudável e educativo, cercando-os de carinho. 
    Vale ressaltar que tal postura não deve ser exclusiva de pais homossexuais, 
    já que compete à família assegurar à prole o direito à dignidade, ao 
    respeito e colocá-la a salvo de qualquer forma de discriminação (art. 227, 
    CF/88).  
     
    Lado outro, a Lei de Registros Públicos também não proíbe a indicação de 
    duas pessoas do mesmo sexo como pais da criança no registro de nascimento. 
    Basta, para tanto, que sejam adaptados os modelos das certidões, constando o 
    nome da criança, e a filiação, sem indicar quem é o pai e quem é a mãe, 
    sendo suficiente que conste a expressão "filho de".  
     
    Enézio de Deus Silva Júnior, em artigo intitulado A certidão de nascimento 
    na adoção por casal homossexual, publicado no site do Instituto Brasileiro 
    de Direito de Família - IBDFAM (http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=577), 
    assevera que:  
     
    "a existência de um registro de nascimento, no qual constem os nomes de dois 
    homens ou de duas mulheres pode se opor aos costumes, mas não ao ordenamento 
    positivo pátrio. Devendo espelhar a filiação não somente biológica, mas 
    também afetiva, a certidão de nascimento, em caso de adoção homoafetiva 
    biparental, deve contemplar os nomes dos pais/mães do mesmo sexo, refletindo 
    a realidade socioafetiva na qual a criança ou adolescente estará inserida, 
    através da adoção".  
     
    Dessarte, na consideração de que não há óbice, em tese, à adoção de crianças 
    por casal homoafetivo, a possibilidade de deferimento do pedido demanda a 
    análise do caso concreto, em atenção minuciosa das provas produzidas nos 
    autos.  
     
    E, nesse particular, comungo da conclusão a que chegou o nobre Magistrado 
    monocrático de que restou sobejamente comprovada nos autos a impossibilidade 
    de exercício dos deveres familiares por parte da genitora da criança, bem 
    como a existência de situação de risco para o menor acaso permaneça no seio 
    da família natural. Provou-se, também, o preenchimento dos requisitos, 
    objetivos e subjetivos, por parte das autoras, para o deferimento do pedido 
    de adoção.  
     
    Embora não descuide da seriedade de que se reveste o assunto em tela, e das 
    consequências extremas advindas de medidas como essa, entendo que, na 
    espécie presente, por todas as provas trazidas aos autos, entremostra-se 
    incensurável a v. sentença recorrida. Não desconheço, tampouco, que a adoção 
    é medida excepcional, bem como que devem ser esgotadas todas as tentativas 
    de manutenção da criança em sua família natural ou extensa. Contudo, in casu, 
    por vislumbrar reais vantagens ao adotando, o deferimento do pedido é medida 
    que se impõe.  
     
    Conforme se extrai dos autos, a mãe do menino, J.J.A., não possui as mínimas 
    condições psicológicas e financeiras de criar o filho. Atualmente, conta com 
    18 (dezoito) anos e, quando do nascimento do adotando, tinha 15 (quinze). 
    Não se tem notícia de sua atual residência ou se possui emprego fixo; foi 
    abandonada pela mãe após o nascimento do adotando. As provas produzidas no 
    feito são uníssonas em demonstrar que J.J.A. vive em ambiente familiar 
    conturbado, possui personalidade violenta, com distúrbios neurológicos de 
    natureza grave:  
     
    "V. relatou que no ano de 2007 J. era aluna da 5ª série na Escola E.J.C., 
    nesta cidade, que durante o período escolar a adolescente passou a mudar seu 
    comportamento. 'J. era uma boa filha, tinha algumas dificuldades em matérias 
    escolares, mas se envolveu com uma moça na escola que a convidava para ser 
    garota de programa. Ela se envolveu com um rapaz, engravidou, deixou de 
    frequentar a escola, passou a dar muitos problemas, como por exemplo fugia 
    de casa, viajava sem avisar, até chegou a quebrar tudo em casa'.  
     
    Ainda segundo V., J. é portadora de distúrbios neurológicos, teve a primeira 
    convulsão epilética aos quatro anos de idade, faz uso de remédio (Barbitron) 
    duas vezes ao dia. Para a mãe, J. não tem condições psicológicas para criar 
    o filho, nem ela mesma deseja criá-lo por trabalhar muito [...]  
     
    V. trabalha como salgadeira autônoma para o Buffet B. há três anos, é 
    faxineira duas vezes por semana. A., há um mês é também trabalhador autônomo 
    no Buffet B. em serviços gerais. Relataram que não sabem quanto ganham 
    mensalmente devido à incerteza de dias trabalhados, mas a cada dia de 
    trabalho, recebem R$ 35,00" (estudo social, f. 62).  
     
    "A partir das entrevistas realizadas com a adolescente, sua mãe e as tias 
    maternas, foi colhida a seguinte história familiar: [...]  
     
    V. ficou grávida de J. quando tinha 15 anos e quando esta nasceu, V. foi 
    morar na casa da irmã, A., levando a criança. Segundo S. a V. não sabe 
    exatamente quem é o pai biológico de J., pois teve dois relacionamentos no 
    mesmo dia. Segundo as informações a V. 'deu' a J. para A., mas continuou 
    morando na mesma casa. Entretanto, quando a menina tinha cerca de três anos, 
    mãe e tia se desentenderam e V. foi embora para a casa de uma outra irmã, 
    depois para a casa da própria mãe, levando consigo a J. No período em que 
    morava na casa da tia, J. teve uma forte febre e passou a ter convulsões. 
    [...]  
     
    Dos relatos observa-se que há uma descrição de relacionamento familiar 
    tumultuado da mãe de J. com a família de origem, principalmente com a 
    própria mãe, descrição compatível com abuso e violência. Também há descrição 
    de relacionamento familiar tumultuado entre J. e a própria mãe.  
     
    V. descreve J. como uma adolescente 'difícil', agressiva, que foge de casa e 
    não dá satisfação, que 'sabe que ela usa drogas' (embora afirme nunca ter 
    visto a filha em uso de substância entorpecente, nem sob efeito de nenhuma 
    droga). Relatou que no tempo em que J. morou com a tia A. também tinha um 
    comportamento difícil, envolvendo-se em brigas na escola.  
     
    De acordo com os relatos de S. e V., a adolescente teria planejado matar a 
    mãe e o padrasto; escrevia bilhetes dizendo que ia matar a mãe e o padrasto; 
    e teria tentado matar o irmão, J., de 10 anos. Relatam ainda que a 
    adolescente 'fugia de casa', ausentando-se por até quinze dias, retornando 
    suja, sendo que sua mãe tinha que lhe dar banho. V. relata que J. tentou 
    suicídio, tomando medicamentos e que foi necessário interná-la no HRAD.  
     
    Com relação à gravidez de J., V. relata que J. afirma que o pai da criança 
    se chama A., que já foi preso e que foi embora para Rondônia com a mãe. 
    [...]  
     
    Das entrevistas com os técnicos do HRAD: [...]  
     
    Nos primeiros dias da internação a adolescente apresentou reações emocionais 
    intensas, compatíveis com o quadro de transtorno conversivo. [...]  
     
    J. apresentou alguns episódios de desmaios que não caracterizavam epilepsia. 
    Entretanto, depois de alguns dias passou a ter desmaios e segundo informação 
    a adolescente tem epilepsia, tipo grande mal. J. foi avaliada e medicada. 
    Atualmente a adolescente continua tendo desmaios, mesmo sob efeito de 
    medicação. Alguns destes ocorreram enquanto J. cuidava do bebê, 
    recém-nascido, colocando o bebê em risco. [...]  
     
    Segundo avaliação da equipe, a adolescente necessitaria de um acompanhante, 
    e, como a família não se prontificou, o conselho tutelar encaminhou duas 
    pessoas voluntárias para auxiliar J. [...]  
     
    Das entrevistas com J.:  
     
    J.J.A. tem quinze anos completos e cursou até a quarta série do ensino 
    fundamental, tendo relatado que aprendeu a ler aos 13 anos. [...]  
     
    J. relata que seu relacionamento com a mãe é difícil, que as dificuldades 
    entre elas se dão por causa dos ciúmes do padrasto, que não concorda que V. 
    dê atenção para a J.  
     
    J. diz que: 'minha mãe fez uma coisa muito errada, eu deixei ela registrar o 
    L. e ela deixou o casal que quer adotar ele registrar com outro nome. Mas 
    para mim ele será sempre L.K.' A adolescente diz que o pai do bebê chama-se 
    A.  
     
    A adolescente relata que 'passou na mão de todo mundo', listando as casas e 
    as pessoas com quem já residiu.  
     
    J. não quer voltar para a casa da mãe quando sair do hospital, que deseja 
    pedir a uma de suas tias que a acolha. Entretanto ela parece consciente de 
    que, se as tias se recusarem, ela terá que ficar na casa da mãe. [...]  
     
    Parecer psicológico:  
     
    De acordo com a avaliação médica, a adolescente apresenta um quadro de 
    alteração neurológica compatível com epilepsia. A família descreve que a 
    adolescente apresenta comportamentos disruptivos como: agressividade, 
    impulsividade, fuga de casa, episódios de violência contra terceiros e 
    contra objetos, descuido com a higiene pessoal e tentativa de suicídio.  
     
    A ocorrência destes comportamentos pode estar relacionada à interação do 
    quadro de epilepsia com estressores ambientais, uma vez que a ansiedade 
    despertada através de conflitos interpessoais atua como um dos fatores 
    precipitantes da epilepsia, sendo que a literatura psiquiátrica relata que 
    muitas crianças com epilepsia do tipo pequeno mal podem ser desajustadas 
    social e emocionalmente. Além disso, o relacionamento prejudicado com as 
    figuras de cuidado primárias resultaria numa falta de segurança básica na 
    criança, que poderia ser generalizada para outras relações, contribuindo 
    para o desenvolvimento de características de antagonismo e rebelião. 
    (Relatório psicológico, f. 65/73.)  
     
    A aluna, J.J.A., 14 anos, esteve matriculada no 1º ano do 2º ciclo do ensino 
    fundamental (5ª série) até 04 de outubro, data em que pediu transferência da 
    escola.  
     
    Além de infrequente e de apresentar dificuldades de aprendizagem - a mesma 
    não realizava atividades em sala de aula e nem as propostas para a casa -, a 
    aluna era agressiva, ameaçava verbalmente colegas e professores chegando até 
    a enforcar uma colega, sendo necessária a intervenção da polícia. Tinha o 
    hábito de perseguir algumas pessoas, intimidando-as com bilhetes 
    ameaçadores, deixando recadinho às escondidas em caixinhas de giz e em outro 
    tipo de material de professores, ora ameaçadores ora bajuladores. Inventava 
    histórias mirabolantes nas quais ela atuava como vilã. Relacionava-se apenas 
    com uma prima, que era sua colega de sala, de uma forma dominadora e 
    agressiva. Sempre contava inverdades aos colegas e professores. Apresentava 
    instabilidade emocional, chegando a tentar suicídio sem que as causas fossem 
    apuradas. Por vezes era apática na sala de aula. Quando advertida sobre seu 
    baixo rendimento escolar, a aluna se desculpava por meio de chantagem 
    emocionais, inventando supostas doenças. Estava sempre envolvida em algum 
    tipo de intriga com colegas, ameaçando-os de formar uma turma para 
    'pegá-los' depois da aula.  
     
    Enfim, a aluna não conseguiu se adequar à escola, pois era incapaz de seguir 
    as regras e normas existentes, já que criava suas próprias normas" 
    (relatório escolar, f. 87).  
     
    "[...] Após ser examinada, pude então conversar melhor com a adolescente a 
    qual se apresentou como J. e me relatou: 'minha mãe me colocou pra fora de 
    casa, pois quebrei as taças, copos etc.' e que ela então pegara suas malas 
    de roupas e ficou vagando pela cidade até ir para o shopping e, como ficara 
    o dia todo sem se alimentar, veio a ter uma crise convulsiva, fato esse 
    narrado a mim também pelo médico que estava de plantão. [...]  
     
    Conversei com a Sr.ª V. e informei à mesma que sua filha estava 
    hospitalizada e no 'Hospital Regional' e que precisava de uma acompanhante. 
    A Sr.ª V. me disse que não queria mais saber da filha e que não iria ver e 
    nem pedir para ninguém acompanhar sua filha no Hospital Regional" (Relatório 
    Informativo do Conselho Tutelar, f. 92/93).  
     
    "Segundo M.M., ela é enfermeira no Hospital Regional e que ela foi 
    solicitada pela M.E. que narrou o seguinte: M.E. está enternada (sic) no 
    referido hospital e que no mesmo quarto que ela está, tem uma adolescente 
    que se chama J. e que J. tem um recém-nascido, onde quando J. vai colocar a 
    criança no berço ela deixa a cabeça da criança bater na grade do berço, 
    mostrando um total despreparo/cuidado com a criança. Segundo M. a criança 
    estava com hematomas no braço direito. Em diálogo com J. a mesma nos disse 
    que não sabe informar como o hematoma apareceu no braço da criança. A 
    conselheira tutelar L.N.J. compareceu no local e orientou a J. Boletim 
    registrado solicitante orientada" (sic) (Histórico do Boletim de Ocorrência 
    nº 27.950/2008, f. 101/102).  
     
    Ora, a situação de abandono e risco em que encontrado o infante no lar 
    materno afigura-se indubitável. Além disso, por mais de uma vez a avó da 
    criança manifestou expressamente que não tem a intenção de cuidar do menino, 
    tendo, inclusive, declarado a concordância com a adoção à f. 47 e nas demais 
    vezes em que foi ouvida pelos psicólogos, assistentes sociais e conselheiros 
    tutelares durante o feito.  
     
    Noutro norte, com relação à tia que mora em Anápolis, Goiás, conquanto a ré 
    tenha manifestado repetidas vezes a sua vontade de que o filho ficasse sob 
    os cuidados da tia A., esta teve a oportunidade de intervir no feito e 
    externar o seu interesse em exercer a guarda do menor ou até em adotá-lo. 
    Contudo, quedou-se inerte nesse sentido. A mera declaração de f. 122 não tem 
    o condão de tornar parte a tia-avó da criança, motivo pelo qual os 
    sucessivos pedidos de realização de estudo psicossocial foram corretamente 
    indeferidos pelo Magistrado a quo. Não cabe ao juiz determinar, de ofício, a 
    inclusão de parte no processo senão nas hipóteses expressamente previstas em 
    lei.  
     
    Não bastasse, colhem-se dos relatórios psicológico e social realizados 
    plenas condições de as adotantes exercerem a maternidade. Destaquem-se os 
    seguintes trechos:  
     
    "A requerente J. tem 30 anos e é advogada. L. tem 37 anos, e é empresária. 
    L. é formada em letras (habilitação em português e inglês) e pós-graduada em 
    docência do ensino superior. Atualmente cursa a graduação em Letras 
    (habilitação português e espanhol). [...]  
     
    Durante as entrevistas, foi possível observar que J. e L. apresentam 
    pensamento organizado e planejamento - incluindo disposição do espaço físico 
    e modificações nos horários de trabalho - consistentes com o desejo de 
    adotar J.G., assim como discurso que sugere interesse na preservação do 
    bem-estar da criança.  
     
    A observação da criança e da interação com as requerentes sugerem que J.G. 
    vem recebendo estimulação e cuidados adequados para seu desenvolvimento.  
     
    No presente momento, não foi possível observar, do ponto de vista 
    psicológico, quaisquer elementos que comprometam as requerentes no que diz 
    respeito aos cuidados com a criança J.G." (f. 132/136).  
     
    "A situação verificada é de que, após o primeiro mês de convivência, J.G. 
    encontra-se bem adaptado ao sistema familiar e vice-versa. A família 
    substituta vem suprindo suas necessidades, proporcionando um meio afetivo 
    estável para seu desenvolvimento adequado, em conformidade com o princípio 
    da preservação do melhor interesse da criança, ou seja, uma convivência 
    voltada para seu desenvolvimento integral: físico, mental e emocional. 
    Segundo os relatos das requerentes também que ocorreu o acolhimento e 
    aceitação de J.G. em toda a família ampliada e também na comunidade em as 
    requerentes estão inseridas.  
     
    Assim, o serviço social sugere que seja acolhido o pedido do casal 
    suplicante" (f. 140).  
     
    Convém registrar que o infante já vive há mais de dois anos com as apeladas, 
    desde que contava com um mês (f. 112), em ambiente que lhe proporciona 
    condições dignas de vida, além de muito amor, afeto e carinho, bem diferente 
    do tratamento dispensado a ele por sua genitora, cuja omissão, enquanto mãe, 
    poderia ter-lhe trazido consequências seriíssimas, de ordem física e 
    psíquica. No atual momento, o menor já se encontra totalmente integrado ao 
    novo ambiente familiar, sendo-lhe proporcionados todos os recursos de que 
    necessita para que tenha um crescimento saudável.  
     
    A irresignação ministerial não persiste na medida em que nenhuma das partes 
    se beneficiaria com o julgamento improcedente do pleito inicial, sobretudo a 
    criança, cujos interesses devem ser preservados precipuamente. Não faz 
    sentido tirar a criança do ambiente familiar em que se encontra hoje e 
    colocá-la à disposição do Estado em abrigo, já que, como consignado, não 
    existe a possibilidade de retornar à família natural.  
     
    Noutra senda, o pedido eventual de concessão da adoção apenas à primeira 
    autora J.S.B. também não se justifica, porquanto, como já exposto, inexiste 
    óbice legal ou dano psicológico no caso da adoção por casal homossexual.  
     
    Em tempo, verifico que o douto Magistrado cometeu pequeno erro material no 
    tocante ao nome da criança a ser consignado no novo registro de nascimento. 
    No último parágrafo de f. 204, consta o nome de uma menina (L.M.S.), e não 
    do adotando deste processo. Assim, no novo registro de nascimento da criança 
    deverá constar o prenome J.G. seguido dos sobrenomes das duas adotantes.  
     
    Pelo exposto, nego provimento ao recurso, observando-se a ressalva quanto ao 
    erro material verificado.  
     
    Custas, ex lege.  
     
    É o meu voto.  
     
    DES. ALBERTO VILAS BOAS - Sr. Presidente. Ouvi, com atenção, a sustentação 
    oral conduzida pelo ilustre advogado.  
     
    Registro que esse processo ficou em meu poder, como Revisor, um pouco além 
    do prazo regimental, dada a relevância jurídica da controvérsia estabelecida 
    no âmbito desse recurso, a partir de apelação interposta pelo Ministério 
    Público.  
     
    Comungo, integralmente, das razões decididas pelo eminente Relator, haja 
    vista que S. Ex.ª concretiza que, no plano da vida real, a velocidade das 
    relações sociais é muito maior que a capacidade do Poder Legislativo de 
    oferecer respostas a tempo e modo aos anseios da sociedade, porque o 
    pronunciamento do eminente Relator dá concreção aos postulados da dignidade 
    humana e da igualdade, que deve haver entre as pessoas, independentemente da 
    orientação sexual que eventualmente elas possuam.  
     
    Pessoas do mesmo sexo que desejam se reunir para constituir um grupo 
    familiar podem ser diferentes para a ótica de quem assim não é, mas, na 
    essência, são pessoas iguais a cada um daqueles que compõem a sociedade.  
     
    A República Federativa do Brasil admite a pluralidade de idéias, de valores 
    e de pensamentos.  
     
    Incumbe ao Poder Judiciário, enquanto o Poder Legislativo não cumpre com a 
    sua missão de disciplinar efetivamente essas relações jurídicas que vão se 
    construindo no tempo, salvaguardar o melhor interesse da criança.  
     
    E, na hipótese dos autos, as provas documentais que neles estão inseridas, 
    incluídos os depoimentos das autoras, os relatórios sociais, indicam que a 
    criança tem assistência moral, educacional e humana, que deveria ter 
    recebido da mãe biológica, mas não pôde receber por questões outras que, no 
    caso concreto, não é necessário redimensionar.  
     
    Fundado nessas razões, acompanho, integralmente, o pronunciamento do 
    Relator.  
     
    DES. EDUARDO ANDRADE - Ouvi, com atenção, o ilustre advogado e, em primeiro 
    lugar, felicito o eminente Des. Relator pela profundidade do seu voto, que 
    tem, pelo menos, umas 40 laudas.  
     
    Quanto à preocupação do Des. Alberto Vilas Boas de que ele excedeu o prazo 
    regimental para análise do processo, agora, tomei conhecimento, mas quem 
    convive com ele sabe que ele jamais assim o faz.  
     
    Pessoalmente, confesso que tenho algumas reservas com relação à adoção de 
    crianças por casais homossexuais. É uma questão de foro íntimo, mas sou um 
    Magistrado do meu tempo. Não posso desconhecer, em primeiro lugar, pelas 
    substanciosas razões colocadas no voto do eminente Relator, que a situação 
    já está consolidada e, principalmente, que seria desumano, neste momento, 
    separar a criança das pessoas que a adotaram e que, como está demonstrado 
    nos autos, com tanto carinho e, porque não dizer, às vezes, até com muito 
    mais carinho do que um casal heterossexual.  
     
    É de se dizer que consta dos autos que não há sexo para o afeto. O afeto que 
    se dispensa a essa criança e, mais do que isso, temos que reconhecer a luta 
    que essas mães têm empreendido para poder educar, tratar e cuidar dessa 
    criança, coisa que a sua mãe natural não o fez.  
     
    Pai e mãe, na realidade, não é aquele que gera, pai e mãe, na realidade, é 
    aquele que aconchega, é aquele que aninha como nesse caso.  
     
    Além do mais, se não bastassem todas essas razões, é preciso dizer que o 
    Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, questão que está ligada a 
    isso e, a mim, como Magistrado, devo observar o ditado latino - Roma locuta 
    est, causa finita. A partir do momento que o Supremo Tribunal Federal já se 
    manifestou, bem ou mal, a nós, juízes, impõe-se a obrigação de seguirmos a 
    orientação, mormente uma orientação que está dada pelo Supremo Tribunal 
    Federal à unanimidade.  
     
    O eminente Des. Alberto Vilas Boas lembrou, com muita propriedade, essa 
    questão - sem sombra de dúvida, deveria ter sido colocada, antes, pelo 
    Legislativo, porque a modificação da Constituição, neste aspecto, caberia, 
    em primeiro lugar, ao Poder Legislativo, mas, diante do desinteresse em 
    resolver uma questão como essa e, porque não dizer, até política, coube ao 
    Judiciário ocupar desse despacho e tomar a decisão que tomou e, mais do que 
    isso, obrigar-nos a segui-la, uma vez que foram 11 votos, devidamente 
    justificados, que foram na direção da sustentação oral empreendida pelo 
    ilustre advogado.  
     
    Por essas razões, acompanho o voto do eminente Relator, nego provimento ao 
    recurso e recomendo a sua publicação.  
     
    Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.  
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