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    - O cheque, prescrito ou não, por si só, comprova a existência de um 
    crédito, e a pessoa que tem a sua posse é, em virtude disso, parte legítima 
    para figurar no polo ativo da ação de cobrança ou de execução do valor 
    representado na cártula. 
     
    - Partindo de tal premissa, aquele que tem a posse do cheque tem 
    legitimidade, também, para promover ação pauliana, cujo objetivo é 
    desconstituir o ato jurídico que reduziu à insolvência o devedor da cártula. 
     
    - O parentesco existente entre vendedor e comprador do imóvel, acrescido de 
    outros elementos constantes dos autos, como a anterioridade do crédito e a 
    insolvência do devedor, denuncia a ocorrência de fraude a credores.  
     
    - Reconhecida a fraude, os atos subsequentes restam sem eficácia no mundo 
    jurídico, notadamente a alienação do bem.  
     
    Apelação Cível n° 1.0604.08.010113-1/003 - Comarca de Santo Antônio do Monte 
    - Apelante: Marli Ferreira do Nascimento - Apelado: Arailton Rodrigues - 
    Litisconsorte: Osmar Francisco do Nascimento e outro - Relator: Des. Luciano 
    Pinto  
     
    A C Ó R D Ã O  
     
    Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do 
    Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Eduardo Mariné da 
    Cunha, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos 
    julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em rejeitar a 
    preliminar e negar provimento ao recurso.  
     
    Belo Horizonte, 21 de outubro de 2010. - Luciano Pinto - Relator.  
     
    N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S  
     
    DES. LUCIANO PINTO - Ao relatório de f. 327/328, acresço que o acórdão 
    proferido às f. 330/342 acolheu a preliminar de nulidade da sentença citra 
    petita, arguida de ofício, e cassou o decisum de f. 253/262, determinando o 
    retorno dos autos à comarca de origem para que outra fosse proferida, com a 
    apreciação de toda a matéria controvertida lançada nos autos.  
     
    No primeiro grau, manifestou-se o autor (f. 347/349) no sentido de que 
    recebeu os cheques e os levou a desconto em uma empresa de factoring (Samoney), 
    que, em razão da inadimplência do emitente, réu na presente ação, a referida 
    empresa cobrou diretamente do autor os valores correspondentes aos cheques e 
    lhe transferiu a titularidade das cártulas por endosso para futura cobrança 
    judicial.  
     
    Intimada acerca da manifestação do autor, reafirmou a ré (f. 355/359) a tese 
    lançada anteriormente, de que somente poderia ajuizar a ação pauliana quem 
    já era credor ao tempo da alienação dos bens que reduziu o devedor à 
    insolvência, de modo que o autor é parte ativa ilegítima para ajuizar a 
    presente ação, pois, na época da alienação do terreno, o autor não era o 
    credor dos cheques, e sim a empresa de factoring.  
     
    Ressaltou que o autor não é o titular das contas bancárias 2870-3 e 2767-7 e 
    requereu a extinção do feito sem julgamento de mérito.  
     
    Foi proferida nova sentença (f. 365/378) que salientou que as preliminares 
    já foram julgadas na decisão proferida às f. 95/97, e salientou o disposto 
    no art. 161 do NCC.  
     
    Adiante (f. 370), fez notar que os réus reconheceram expressamente a 
    desnecessidade da diligência que ensejou a nulidade da sentença e 
    dispensaram a providência determinada no acórdão.  
     
    Quanto ao mérito, firmou seu entendimento no sentido de que a alegação dos 
    réus de que o terreno foi adquirido pelo segundo réu em permuta realizada 
    com Antônio Adair de Castro, e não diretamente do primeiro réu, seu pai, não 
    poderia prevalecer, haja vista que contrária ao conteúdo do registro do 
    imóvel, onde consta que o primeiro réu adquiriu por compra o terreno de 
    Antônio Adair de Castro; e, na sequência, o imóvel foi vendido ao segundo 
    réu, seu filho, em 25.03.2008, quando o primeiro réu já devia ao autor o 
    valor dos cheques.  
     
    Transcreveu trechos dos depoimentos prestados por Antônio Adair de Castro 
    (f. 371) e por Amador Edmundo do Couto (f. 372); ressaltou a ausência de 
    dúvida acerca da insolvência do primeiro réu; entendeu que restou 
    configurada a fraude contra credores; reafirmou que não restou comprovado 
    nos autos que as benfeitorias tivessem sido feitas pelo segundo réu, de modo 
    que o acessório deve seguir o principal; e fez notar que não restou 
    consignado no Registro de Imóveis que se tratava de venda de ascendente a 
    descendente.  
     
    Dito isso, reconheceu a ocorrência de fraude contra credor e julgou 
    procedente a ação, assegurando ao autor o direito de prosseguir na execução 
    forçada contra o réu, com a penhora não apenas do terreno, mas também das 
    construções nele existentes, ressaltando que ao réu Moisés Luiz Nascimento 
    fica expressamente negado o resguardo de construções e benfeitorias.  
     
    Mais, autorizou a averbação da sentença no CRI junto à matrícula apontada; e 
    condenou os réus no pagamento das custas e honorários advocatícios no valor 
    correspondente a 15% sobre o valor da causa, com juros e correção monetária 
    a partir da sentença.  
     
    Inconformada, interpôs a ré recurso de apelação (f. 380/404), arguindo 
    preliminar de ausência de condição da ação, ao argumento de que o crédito 
    não é anterior ao ajuizamento da ação.  
     
    No mérito, reafirmou a tese de que o terreno não pertencia ao primeiro réu, 
    mas sim ao seu filho, que o adquiriu a partir de uma permuta feita com o Sr. 
    Antônio Adair de Castro, em 2007.  
     
    Destacou trechos dos depoimentos das testemunhas; reafirmou que as 
    benfeitorias foram realizadas somente por Moisés Luiz do Nascimento, filho 
    de Osmar; requereu o provimento do recurso e a reforma in totum da sentença.
     
     
    O autor apresentou contrarrazões (f. 409/441), requerendo que seja negado 
    provimento ao recurso, com base nos mesmos argumentos lançados 
    anteriormente.  
     
    Em razão da aposentadoria do Des. Irmar Ferreira Campos, vieram-me os autos 
    em redistribuição.  
     
    Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.  
     
    Preliminar - Ausência de condição da ação - Inocorrência - Crédito anterior 
    à alienação.  
     
    Arguiu a ré preliminar de ausência de condição da ação, ao argumento de que 
    o crédito em questão, representado por duas notas promissórias e dois 
    cheques, não é anterior ao ajuizamento da ação.  
     
    Pelo que dos autos consta, estou que não assiste razão à apelante.  
     
    É de sabença geral que, cuidando-se de ação pauliana, cumpre ao seu autor 
    comprovar, nos termos do art. 333, I, do Código de Processo Civil, como 
    requisitos mínimos, aqueles previstos nos arts. 158 e 159 do Código Civil, 
    de onde se extrai:  
     
    "Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de 
    dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à 
    insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores 
    quirografários, como lesivos dos seus direitos.  
     
    Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor 
    insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser 
    conhecida do outro contratante".  
     
    Assim, cabe ao autor demonstrar a anterioridade do seu crédito, uma vez que 
    só os credores, assim reconhecidos no tempo dos atos reputados fraudulentos, 
    é que podem pleitear a anulação; o eventus damni (elemento objetivo), 
    consubstanciado no ato prejudicial ao credor, por encontrar-se o devedor 
    insolvente, ou por ter sido praticado em estado de insolvência; e, por fim, 
    o consilium fraudis (elemento subjetivo), assim compreendido como sendo a 
    má-fé, por haver o escopo de prejudicar o credor, tornando sem efeito 
    eventual cobrança em seu favor.  
     
    Sobre o primeiro pressuposto, veja-se lição de Pontes de Miranda, citada na 
    Apelação Cível nº 1.0079.99.026667-2/001 deste TJMG:  
     
    "O crédito - não a pretensão, ou a ação - precisa ter nascido antes do ato 
    de disposição. É o princípio da anterioridade do crédito [...] O crédito há 
    de já existir quando ocorre o ato de disposição. Pode ser ilíquido; pode 
    depender de liquidação judicial. Se o termo inicial é somente para a 
    eficácia pretensional, ou acional, ou de exceção, já existindo o crédito, 
    não há dúvida quanto a estar satisfeito o pressuposto da anterioridade do 
    crédito" (in Tratado de direito privado. 2. ed. Ed. Borsoi, tomo IV, § 489, 
    p. 436).  
     
    No caso, insiste a apelante na tese de que o crédito não é anterior à 
    alienação do imóvel, datada de 25.03.2008 (f. 19-v.), haja vista que as duas 
    notas promissórias foram emitidas e vencidas em 08.04.2008.  
     
    Quanto aos cheques emitidos em 25.01.2008 e 25.02.2008, defendeu a tese de 
    que não restou comprovado nos autos que o apelado seja o primitivo credor 
    das cártulas, como disse.  
     
    De pronto, cabe salientar que presente ação pauliana em análise não se funda 
    em direito representado pelas notas promissórias emitidas a favor do autor, 
    mas apenas nos cheques, como se pode perceber do que consta da peça de 
    ingresso (f. 09).  
     
    Dito isso, relevante, no caso, apenas a anterioridade dos cheques, e a 
    hipótese está satisfatoriamente demonstrada, haja vista que emitidos pelo 
    réu em 25.01.2008 e 25.02.2008 e a alienação se deu em 25.03.2008.  
     
    No que tange à tese da apelante de que o apelado deveria ter comprovado 
    tratar-se do credor primitivo das cártulas, é de ver que a jurisprudência 
    deste Tribunal de Justiça já se firmou no sentido de que a pessoa que tem a 
    posse dos cheques é parte legítima para figurar no polo ativo da ação, cujo 
    objetivo é a recuperação do valor representado nas cártulas.  
     
    Nesse sentido, mutatis mutandis, veja-se:  
     
    "Ementa: Monitória - Cheque - Beneficiário - Legitimidade - Causa da emissão 
    - Desimportância. - Tem legitimidade ativa para propor ação monitória o 
    beneficiário do cheque prescrito, recebido das mãos de terceiro que não 
    conseguiu descontá-lo no banco, passando aquele a ser, além de beneficiário, 
    o portador do título. Para a cobrança de cheques prescritos através de ação 
    monitória, não importa a causa da emissão, porque eles continuam com as 
    características de literalidade, autonomia e certeza, ou seja, revelam prova 
    consistente da dívida, ficando a devida contraprova a cargo do emitente" 
    (Processo 1.0441.05.002540-8/001(1), Rel. Des. Guilherme Luciano Baeta 
    Nunes, p. no Minas Gerais de 13.07.2006).  
     
    Dito isso, não há que se falar em ausência de condição da ação, pois restou 
    demonstrada a anterioridade do crédito e a legitimidade do autor para buscar 
    o valor por elas representado, ou, como no caso, ajuizar ação pauliana.  
     
    Isso posto, rejeito a preliminar.  
     
    Mérito.  
     
    Em sede de mérito, limitou-se a apelante a alegar que o imóvel rural foi 
    adquirido pelo réu, Moisés Luiz Nascimento, mediante uma permuta realizada 
    com o Sr. Antônio Adair de Castro, em que Moisés recebeu o terreno e 
    entregou um veículo Fiat Pálio.  
     
    Disse que tais fatos estão comprovados nos autos, porém reconheceu que o 
    veículo e o terreno, objetos da permuta, não foram levados a registro por 
    seus reais proprietários, por se tratar de pessoas que desconhecem a lei e 
    que (f. 399) "[...] não possuem discernimento para sequer imaginar as 
    consequências advindas de atos como este".  
     
    A meu ver, a tese da apelante não sustenta o seu inconformismo.  
     
    No que tange à efetivação da compra e venda do imóvel realizada entre Osmar 
    Francisco do Nascimento e Moisés Luiz do Nascimento, desnecessárias maiores 
    explanações em face do teor da Certidão de Registro de Imóvel juntada a 
    estes autos à f. 19/19-v.  
     
    Simples leitura do documento, que, diga-se, possui fé pública, é suficiente 
    para se perceber que o imóvel de Matrícula nº 018951, Protocolo nº 54325, de 
    23.04.2008, foi alienado por Osmar Francisco do Nascimento e s/m Marli 
    Ferreira do Nascimento a Moisés Luiz do Nascimento, e que a escritura foi 
    lavrada em 25.03.2008.  
     
    A meu ver, o documento exaure a questão da compra e venda, sendo certo que a 
    relação de parentesco existente entre vendedores e comprador, pais e filho, 
    não foi objeto de controvérsia nos autos.  
     
    Mais, estou que alegação de que o comprador, Moisés Luiz do Nascimento, 
    recebeu o terreno em permuta de um veículo, com o terceiro de nome Antônio 
    Adair de Castro, não tem foros de cidade, pois o próprio Antônio Adair de 
    Castro, em seu depoimento (f. 121), foi categórico em afirmar:  
     
    "[...] que a sua atividade profissional é a compra e venda de veículos 
    usados e realmente trocou um Fiat Pálio com o primeiro réu Osmar; ou seja, 
    transmitiu o terreno para Osmar e dele recebeu um Fiat Pálio; [...]". 
     
    Nesse contexto, estou em que restou satisfatoriamente demonstrada a 
    alienação do bem pelo devedor diretamente a seu filho, após a emissão de 
    dois cheques, e tal alienação reduziu o emitente/devedor à insolvência, o 
    que justifica, inteiramente, a procedência da ação pauliana e a 
    desconstituição da alienação, como bem entendeu a sentença.  
     
    No que toca ao pedido de retenção de benfeitorias, estou que a sentença não 
    merece reformas.  
     
    Pelo que se pode perceber dos documentos juntados aos autos (f. 79/81), 
    Moisés Luiz Nascimento, filho do proprietário do terreno, Osmar Francisco do 
    Nascimento, no período compreendido entre 05.07.2007 e 20.12.2007, antes, 
    portanto, da suposta venda do imóvel, promoveu a compra de materiais de 
    construção e efetuou o pagamento de mão de obra de pedreiro, o que não 
    implica dizer que tenha feito benfeitorias no imóvel que devam ser 
    indenizadas.  
     
    Cabe salientar que tais documentos estão datados da época em que o imóvel 
    ainda pertencia a seus pais.  
     
    Percebo que a sentença (f. 376/377) transcreveu trechos dos depoimentos de 
    duas testemunhas, que confirmaram que obras foram feitas no local pelo 
    proprietário, Osmar Francisco do Nascimento, e não por seu filho.  
     
    Dito isso, estou que não merece ressalvas a sentença quando estabeleceu à f. 
    377 que "[...] Assim como a venda foi simulada, e, portanto, dada por 
    desconstituída, a construção foi feita pelo pai vendedor. O acessório segue 
    o principal. O todo garante o crédito e não apenas a terra nua".  
     
    Isso posto, nego provimento ao recurso de apelação.  
     
    É o meu voto.  
     
    Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Lucas Pereira e Eduardo 
    Mariné da Cunha.  
     
    Súmula - REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. 
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