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    Com parecer favorável do Ministério Público, juíza autoriza a celebração de 
    casamento civil direto entre casal homossexual no Estado de São Paulo. Até 
    agora, decisões só permitiam a conversão de união estável em casamento. 
     
    O Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais do município de Cajamar 
    (SP) recebeu autorização para celebrar o primeiro casamento civil 
    homossexual direto do Brasil. Até então, decisões judiciais se limitavam a 
    autorizar a conversão de união estável em casamento.  
     
    Os noivos, Wesley Silva de Oliveira e Fernando Júnior Isidorio de Oliveira, 
    se casarão no próximo dia 8 de outubro de 2011, e adotarão o regime da 
    comunhão parcial de bens, sendo que, após a celebração do casamento, 
    passarão a assinar os nomes Wesley Silva de Oliveira Isidorio e Fernando 
    Júnior Isidorio de Oliveira e Silva. 
     
    O pedido foi recepcionado pela Oficiala de Cajamar, Priscila Francisco de 
    Paula, que realizou a publicação dos proclamas e abriu vista do processo 
    para manifestação do Ministério Público, que por meio da promotora Adriana 
    de Cássia Delbue Silva, proferiu parecer aprovando à celebração. Em seguida, 
    decisão da juíza Corregedora, Adriana Nolasco da Silva, permitiu a 
    celebração da primeira cerimônia civil do Brasil. 
     
    Leia a íntegra da decisão judicial de Cajamar 
     
    Poder Judiciário 
    Foro Distrital de Cajamar 
    São Paulo 
    1º Vara 
     
    Conclusão 
     
    Em 20 de julho de 2011, faço estes autos conclusos à Exma. Juíza de Direito 
    Dra. Adriana Nolasco da Silva. Eu, ________________, Esc. Téc. Jud., dig. e 
    sub. 
     
    Autos nº 343/2011 ¿ Oficial do Registro Civil 
     
    Vistos, 
     
    Trata-se de pedido de habilitação para casamento e Wesley Silva de Oliveira 
    e Fernando Junior Isidório de Oliveira, ambos do mesmo sexo, no regime de 
    comunhão parcial de bens. Parecer ministerial favorável. 
     
    É o sucinto relatório. 
     
    Comungo do entendimento defendido pela douta promotoria. 
     
    Conforme a menção feita pela douta promotora, vez julgado pelo Colendo 
    Supremo Tribunal Federal, na ADI ¿ ação direta de inconstitucionalidade nº 
    4277 e na ADPF ¿ arguição de descumprimento de preceito fundamental ¿ nº 
    132, que o artigo 1.723 do Código Civil não exige a diversidade de sexos 
    para a configuração de união estável, não há como se indeferir o pedido de 
    habilitação para o casamento, ainda que não haja texto legal expresso. 
     
    Isto porque cabe ao Supremo Tribunal Federal o papel de guardião da 
    Constituição Federal, cabendo ainda a uniformização da interpretação deste 
    diploma legal. Assim, ao dar ao artigo mencionado a interpretação conforme a 
    Constituição para excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento 
    da união estável entre pessoas do mesmo sexo o Supremo acabou por referendar 
    a inconstitucionalidade de qualquer discriminação em razão da orientação 
    sexual, para os fins de se reconhecer uma entidade familiar, fim último da 
    união estável. 
     
    De outro lado, o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal ao dispor que a 
    lei facilitará a conversão da união estável em casamento acaba por obrigar o 
    Estado a não impor como empecilho à celebração do casamento do mesmo sexo, 
    uma vez reconhecida a existência de união estável. 
     
    Em que pese entendimentos divergentes, entendo que com o reconhecimento da 
    união estável entre pessoas do mesmo sexo, não há como se negar a conversão 
    em casamento, sob pena de criar tratamento diverso ao mesmo instituto, em 
    razão da orientação sexual dos conviventes. 
     
    Logo, o Supremo Tribunal Federal, ao fundamentar sua decisão nos princípios 
    da igualdade jurídica, proibindo a discriminação e a vedação de direitos 
    típicos da entidade familiar a determinados indivíduos, acabou por 
    prestigiar o princípio da dignidade humana, possibilitando ao cidadão, a 
    oficialização de sua relação afetiva, qualquer que seja sua orientação 
    sexual, acompanhando a evolução cultural, que não mais comporta a imposição 
    de modelos oficiais de conduta.  
     
    Conforme as certidões de nascimento acostadas ao procedimento, os nubentes 
    são solteiros e tal fato é corroborado pelas declarações juntadas, não se 
    vislumbrando a existência de impedimentos matrimoniais. Publicando os 
    proclamas não houve qualquer impugnação nos autos. 
     
    Desse modo, atendidos os requisitos do artigo 1.525 do Código Civil e artigo 
    67 da Lei de Registros Públicos, de rigor a habilitação dos requerentes. 
     
    Decido 
     
    Ante o exposto, JULGO os nubentes devidamente habilitados para casar um com 
    o outro sob o regime da comunhão parcial de bens e determino que seja 
    expedida em favor dos mesmos a necessária certidão de habilitação, a fim de 
    que, no prazo da lei, requeiram a celebração do ato civil do casamento. 
     
    Ciência ao Ministério Público. 
     
    Cajamar, 20 de julho de 2011. 
     
    Adriana Nolasco da Silva 
    Juíza de Direito 
     
    Leia a íntegra do parecer da Promotoria de Cajamar 
     
    Habilitação para casamento 
    Parecer do Ministério Público 
     
    Meritíssima Juíza: 
     
    Wesley Silva de Oliveira e Fernando Junior Isidório de Oliveira, ambos do 
    sexo masculino, ingressaram com o presente pedido de habilitação de 
    casamento junto ao Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de Cajamar. 
     
    O pedido foi instruído com declaração de duas testemunhas, no sentido de que 
    os requerentes não são parentes entre si em grau proibido por lei, nem tem 
    impedimento algum que os inibam de casar. 
     
    É o breve relatório. 
     
    O pedido deve ser deferido. 
     
    Cumpridas todas as formalidades legais, a questão que se coloca para análise 
    é a possibilidade ou não de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, o 
    que se passa a apreciar. 
     
    Conforme amplamente noticiado, o Cartório de Registro Civil das Pessoas 
    Naturais do município de Jacareí (SP) realizou na data de 28.06.2011, o 
    primeiro casamento civil homossexual da História do Brasil. O ato, 
    coincidentemente realizado no dia de comemoração do Orgulho Gay e da 
    Consciência Homossexual no País, promoveu a conversão da união estável de 
    Luiz André de Rezende Moresi e José Sérgio Santos de Sousa, que já vivem 
    juntos há oito anos, em Casamento. 
     
    O fundamento para o deferimento do pedido pelo MM Juiz de Direito no caso em 
    tela, e para o presente pedido se encontra na própria Constituição 
    Brasileira. Com efeito, a Lei Maior declarou que o Brasil tem como 
    ¿objetivos fundamentais¿ a construção de ¿uma sociedade livre, justa e 
    solidária¿, bem como ¿promover o bem de todos, SEM PRECONCEITOS de origem, 
    raça, SEXO, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação¿ (art. 3º, 
    incisos I e IV). 
     
    Também determina a Constituição Federal que ¿todos são iguais perante a lei, 
    sem distinção de qualquer natureza¿ e que ¿homens e mulheres são iguais em 
    direitos e obrigações, nos termos desta Constituição¿ (art. 5º, inciso I). 
     
    Mais à frente, no Título ¿Da Ordem Social¿, a Lei Maior afirma que ¿a 
    família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado¿ (art. 226, 
    caput). 
     
    Sobre o casamento, a Constituição Federal dispõe que o mesmo ¿é civil e 
    gratuita a celebração¿ (art. 226, § 1º), acrescentando que ¿o casamento 
    religioso tem efeito civil, nos termos da lei¿ (art. 226, § 1º), e que o 
    casamento ¿pode ser dissolvido pelo divórcio¿ (art. 226, § 6º, com redação 
    dada pela Emenda Constituição nº 66, de 13/07/2010). 
     
    Em harmonia com o princípio da igualdade, nossa Lei Maior enfatiza que ¿os 
    direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente 
    pelo homem e pela mulher¿ (art. 226, § 5º). 
     
    Contudo, é público e notório que milhares de pessoas do mesmo sexo (homens e 
    homens; mulheres e mulheres), compartilham a vida juntos como se casados 
    fossem. 
     
    A ausência de respaldo jurídico a tal realidade social causou inúmeros 
    prejuízos e injustiças, desde o não reconhecimento do direito à sucessão, 
    passando pela ausência da presunção legal de esforço comum no patrimônio 
    constituído, até a ausência de direitos sociais, como a pensão 
    previdenciária por morte. 
     
    Foi nesse contexto que no dia 05 de maio de 2011, o Supremo Tribunal 
    Federal, em julgamento, tendo como relator o Exmo. Ministro Ayres Britto, 
    reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, dando interpretação 
    conforme a Constituição Federal, para excluir qualquer significado do artigo 
    1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do 
    mesmo sexo como entidade familiar. 
     
    Na ocasião, o Exmo. Ministro Ayres Britto foi seguido pelos Exmos. Ministros 
    Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco 
    Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como Exma. Ministras Cármen 
    Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie ¿ decorrendo votação unânime dos 
    presentes. 
     
    Tal julgamento, nos termos do art. 102, § 2º, da Constituição Federal, 
    possui ¿eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais 
    órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas 
    esferas federal, estadual e municipal. 
     
    No caso concreto, aplica-se a conhecida fórmula jurídica romana, segundo a 
    qual ¿onde há a mesma razão, aplica-se o mesmo direito¿ (¿ubi eadem ratio, 
    ibi eadem jus¿). Desta forma, os fundamentos de tal julgamento, ainda que 
    sem o dito efeito vinculante, certamente são aplicáveis ao instituto de 
    direito civil denominado casamento, inclusive ao mencionado art. 226, § 5º, 
    da Constituição Federal ¿ o que apenas não foi declarado no mencionado 
    precedente histórico do STF, provavelmente porque não era objeto dos pedidos 
    das ações em análise. 
     
    Os prováveis entraves a tal entendimento podem advir de discriminação e/ou 
    de convicções religiosas. 
     
    Mas o Estado Brasileiro, do qual o Judiciário é um dos Poderes, repudia 
    constitucionalmente a discriminação e é laico, ou seja, não vinculado a 
    qualquer religião ou organização religiosa. 
     
    A discriminação (ou preconceito) contra homossexuais decorre normalmente de 
    equívoco sobre a origem ¿psíquica¿ do homossexualismo, e de dogmas ou 
    orientações religiosas. 
     
    Assim, pode-se afirmar que no Brasil há situações de fato e de direito muito 
    mais graves para se preocupar, que com a vida de dois seres humanos 
    desejosos de paz e felicidade ao seu modo, sem infringir direitos de 
    ninguém. 
     
    Diante do exposto, manifesto-me favoravelmente a habilitação de casamento 
    realizada pelos requerentes. 
     
    Cajamar, 20 de julho de 2011. 
     
    Adriana de Cassia Delbue Silva 
    Promotora de Justiça 
     
    Fonte : Assessoria de Imprensa 
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