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    A Bahia vai privatizar cartórios sem realizar concurso público para definir 
    os tabeliães que irão comandar uma máquina burocrática que faturou R$ 164 
    milhões em 2010.  
     
    O Estado é o único do país onde os cartórios são geridos pelo Tribunal de 
    Justiça, mas uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa em agosto e 
    sancionada no mês passado pelo governador Jaques Wagner (PT) determinou a 
    privatização.  
     
    Um artigo da lei estabelece que o servidor que hoje é chefe de cartório 
    poderá optar por permanecer no serviço público ou receber a titularidade do 
    cartório.  
     
    Na prática, a lei sancionada pelo governador restaurou um privilégio abolido 
    pela Constituição, que havia determinado a privatização dos cartórios 
    extrajudiciais. Até 1988, o governo nomeava os tabeliães. A situação mudou 
    com a exigência de concurso público.  
     
    Na Bahia, foi diferente: servidores aprovados para um cargo com salário 
    médio de R$ 4.000 poderão se tornar automaticamente donos de um caixa 
    milionário.  
     
    O Estado tem 1.643 cartórios, mas a lei privilegia, sobretudo, os 200 chefes 
    dos cartórios mais rentáveis. Esse grupo faturou, sozinho, segundo o TJ-BA 
    (Tribunal de Justiça) da Bahia, R$ 139 milhões no ano passado (84,7% do 
    total).  
     
    "Os chefes de cartório fizeram um concurso para o serviço público e, no meio 
    do caminho, perguntam a eles se querem continuar funcionários públicos ou 
    querem ser donos de cartórios e ganhar 50 vezes mais. Essa opção é 
    absolutamente fora de qualquer padrão de moralidade e absurdo", disse a 
    corregedora do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ministra Eliana Calmon.
     
     
    Quando propôs a privatização em 2009, o TJ previa um processo de 
    desestatização escalonado, realizando concursos nos cartórios à medida que 
    os servidores que ocupam as chefias fossem se aposentando.  
     
    O artigo que efetiva tabeliães sem concurso surgiu no substitutivo do 
    relator José Raimundo (PT), aprovado por unanimidade na Assembleia da Bahia. 
    Sindicatos de servidores pressionaram pela mudança da proposta original.  
     
    A presidente do TJ-BA, Telma Britto, estuda um caminho para contestar a 
    constitucionalidade dos tabeliães-biônicos. Segundo ela, o tribunal deverá 
    acionar o CNJ e a Procuradoria-Geral da República para arguir a 
    inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal).  
     
    A desembargadora diz que o questionamento no no STF não impedirá a 
    organização do concurso para cerca de 500 tabelionatos "vagos" (sem chefe 
    designado).  
     
    OUTRO LADO  
     
    Questionado pela Folha se sua sanção ao projeto não criou um "trem da 
    alegria" nos cartórios, o governador Jaques Wagner disse que é contra a 
    efetivação de tabeliães sem concurso, mas afirmou que não quis vetar o 
    projeto para não atrasar a privatização.  
     
    O deputado José Raimundo diz que o direito de opção foi amparado por 
    pareceres jurídicos e análise da situação em outros Estados. O relator prega 
    a equivalência do concurso feito por servidores do Judiciário aos concursos 
    para tabeliães.  
     
    "Eles já foram concursados para os cartórios, já estão no cargo e muitos 
    fizeram depois da Constituição de 1988", disse.  
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