| 
     
    A ausência de registro do imóvel em cartório não significa que ele se inclui 
    no rol das terras devolutas, cabendo ao estado provar que detém a 
    propriedade do bem. A conclusão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de 
    Justiça (STJ), ao negar provimento a recurso do Estado do Rio Grande do 
    Norte em um processo de usucapião.  
     
    A ação de usucapião extraordinária foi ajuizada perante a Vara Única da 
    Comarca de Taipu (RN). O autor alegava ter adquirido o imóvel de uma pessoa 
    que, por sua vez, comprara de outra, em 1977. Sustentou que desde então 
    detém a posse do imóvel “de forma mansa e pacífica, como se dono fosse”.  
     
    Ao prestar informações, o cartório do registro de imóveis afirmou não 
    existir registro do terreno. A União e o município não manifestaram 
    interesse na ação, mas o procurador estadual requereu a rejeição do pedido 
    de usucapião, afirmando tratar-se de terra devoluta.  
     
    Em primeira instância, a ação foi julgada procedente, para reconhecer o 
    pedido de usucapião. O estado apelou, mas o Tribunal de Justiça do Rio 
    Grande do Norte (TJRN) negou provimento. Segundo entendeu, em se tratando de 
    ação de usucapião, aquele que possui como seu um imóvel, por 15 anos, sem 
    interrupção, nem oposição, adquire a propriedade, independentemente de 
    título e boa-fé.  
     
    Para o tribunal estadual, a ausência de transcrição no ofício imobiliário 
    não induz a presunção de que o imóvel se inclui no rol das terras devolutas, 
    cabendo ao estado a prova dessa alegação.  
     
    No recurso para o STJ, o estado alegou ofensa ao artigo 333, inciso I, do 
    Código de Processo Civil, afirmando que caberia ao autor da ação a prova do 
    preenchimento dos requisitos para o reconhecimento da usucapião, 
    especialmente o fato de se tratar de imóvel de propriedade particular.  
     
    Segundo afirmou, se o imóvel não estava vinculado a nenhuma titularidade, 
    cumpria ao tribunal estadual reconhecer que se tratava de terra devoluta, de 
    propriedade do estado. Em parecer, o Ministério Público Federal opinou pelo 
    não provimento do recurso especial.  
     
    Tese superada 
     
    A Quarta Turma concordou, negando provimento ao recurso. O relator do caso, 
    ministro Luis Felipe Salomão, disse que a tese defendida pelo Rio Grande do 
    Norte “está superada desde muito tempo”, e que a jurisprudência do STJ, com 
    apoio em entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), firmou-se no 
    sentido de que não existe em favor do estado presunção acerca da 
    titularidade de bens imóveis destituídos de registro.  
     
    Luis Felipe Salomão citou vários precedentes na mesma direção, entre eles o 
    recurso especial 674.558, de sua relatoria, no qual ficou consignado que, 
    “não havendo registro de propriedade do imóvel, inexiste em favor do estado 
    presunção iuris tantum de que sejam terras devolutas, cabendo a este provar 
    a titularidade pública do bem. Caso contrário, o terreno pode ser 
    usucapido”.  
     
    Citando o jurista Pontes de Miranda, o ministro lembrou que a palavra 
    “devolutas”, acompanhando “terras”, refere-se justamente a esse fato: “O que 
    não foi devolvido [ao estado] não é devoluto. Pertence a particular, ou ao 
    estado, ou a ninguém.”  
     
    Ele observou ainda que o estado, como qualquer outra pessoa, física ou 
    jurídica, pode tomar posse das terras que não pertencem a ninguém e sobre as 
    quais ninguém tem poder. “A inexistência de registro imobiliário do bem 
    objeto de ação de usucapião não induz presunção de que o imóvel seja público 
    (terras devolutas), cabendo ao estado provar a titularidade do terreno como 
    óbice ao reconhecimento da prescrição aquisitiva”, concluiu o ministro.  
     
    
    REsp 964223 
     
    
    REsp 674558  
     |