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    EMENTA 
     
    RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. REGIME DE BENS DO CASAMENTO. 
    COMUNHÃO PARCIAL. BENS ADQUIRIDOS COM VALORES ORIUNDOS DO FGTS. 
    COMUNICABILIDADE. ART. 271 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA 
    DOS ARTS. 269, IV, E 263, XIII, DO CC DE 1916. INCOMUNICABILIDADE APENAS DO 
    DIREITO E NÃO DOS PROVENTOS. POSSIBILIDADE DE PARTILHA. 1. Os valores 
    oriundos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço configuram frutos civis do 
    trabalho, integrando, nos casamentos realizados sob o regime da comunhão 
    parcial sob a égide do Código Civil de 1916, patrimônio comum e, 
    consequentemente, devendo serem considerados na partilha quando do divórcio. 
    Inteligência do art. 271 do CC/16. 2. Interpretação restritiva dos 
    enunciados dos arts. 269, IV, e 263, XIII, do Código Civil de 1916, 
    entendendo-se que a incomunicabilidade abrange apenas o direito aos frutos 
    civis do trabalho, não se estendendo aos valores recebidos por um dos 
    cônjuges, sob pena de se malferir a própria natureza do regime da comunhão 
    parcial. 3. Precedentes específicos desta Corte. 4. RECURSO ESPECIAL 
    DESPROVIDO. (STJ – REsp nº 848.660 – RS – 3ª Turma – Rel. Min. Paulo de 
    Tarso Sanseverino – DJ 13.05.2011) 
     
    ACÓRDÃO 
     
    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira 
    Turma do Superior Tribunal de Justiça,por unanimidade, negar provimento ao 
    recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os 
    Srs. Ministros Nancy Andrighi, Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com o 
    Sr. Ministro Relator. Impedido o Sr. Ministro Vasco Della Giustina 
    (Desembargador convocado do TJ/RS). 
     
    Brasília, 03 de maio de 2011 (data do julgamento). 
     
    MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO – Relator. 
     
    RELATÓRIO 
     
    O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator): 
     
    G A H interpôs o presente recurso especial, com fundamento no art. 105, 
    inciso III, alíneas 'a' e 'c', da Constituição Federal, contra acórdão 
    proferido pelo Quarto Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio 
    Grande do Sul, que rejeitou os embargos infringentes opostos no curso da 
    ação de separação judicial litigiosa em que contende com M M P M H, cuja 
    ementa foi a seguinte: 
     
    PARTILHA DE BENS. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL. FGTS. Ainda que o FGTS 
    constitua provento pessoal do trabalho, quando tais valores foram sacados e 
    houve a aquisição de bens, perde o caráter de fruto civil do trabalho, 
    admitindo-se a partilha do patrimônio amealhado com tal verba. EMBARGOS 
    INFRINGENTES REJEITADOS, POR MAIORIA. 
     
    Sustentou que o Tribunal de origem contrariou o art. 1.659, incisos II e VI, 
    do Código Civil, ao entender pela comunicabilidade do valor decorrente do 
    FGTS utilizado na aquisição do imóvel partilhado, desconsiderando que houve 
    expressa sub-rogação do valor obtido pelo saque na compra do apartamento. 
    Alegou que, mesmo que os valores oriundos do FGTS tenham sido empregados na 
    aquisição do bem, não há como se afastar sua natureza de provento 
    personalíssimo decorrente do trabalho do ora recorrente. Salientou haver 
    conexão entre a perda do FGTS e a aquisição do apartamento, o que restou 
    devidamente reconhecido no contrato. Afirmou que o acórdão recorrido 
    divergiu do que já foi decidido no Tribunal de Justiça do Estado de Minas 
    Gerais, no Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina e neste Superior 
    Tribunal, em julgados nos quais se concluiu pelo abatimento do valor das 
    prestações do imóvel pagas com recursos oriundos do levantamento do FGTS. 
    Argumentou que nem mesmo o depósito da verba do FGTS em conta-poupança 
    descaracteriza sua incomunicabilidade. Ressaltou que a matéria é nova e 
    ainda não foi objeto de muitos estudos nos campos doutrinário e 
    jurisprudencial, razão pela qual seu debate é de grande relevância. Requereu 
    o provimento do recurso especial. 
     
    Foram apresentadas as contrarrazões, nas quais a recorrente defendeu que os 
    bens adquiridos a título oneroso na constância da união são considerados 
    fruto do trabalho e da colaboração comum, de tal modo que pertencem a ambas 
    as partes, salvo estipulação contrária, o que não é o caso. Salientou que, 
    ao ser sacado o valor contido na conta vinculada de FGTS, ele perdeu a 
    característica de indenização, mormente considerando que foi utilizado para 
    a aquisição do imóvel que serviu de moradia ao casal. Pugnou pelo 
    desprovimento do recurso. 
     
    O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento do recurso. 
     
    É o relatório. 
     
    VOTO 
     
    O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator): 
     
    Não assiste razão ao recorrente. 
     
    Inicialmente, cumpre salientar que o regime de bens no caso em comento 
    encontra-se regido pelas disposições previstas no Código Civil de 1916, uma 
    vez que o casamento se realizou sob sua égide. 
     
    Com efeito, dispõe o art. 2.039 do Código Civil ora vigente: 
     
    Art. 2.039. O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código 
    Civil anterior, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele 
    estabelecido. 
     
    Sendo assim, não há falar em ofensa ao art. 1.659 do Código Civil de 2002, 
    porquanto ele não incide sobre os fatos analisados na presente demanda. 
     
    Aplicam-se ao caso em tela as disposições acerca do regime de comunhão 
    parcial de bens constantes nos arts. 269 a 275 do diploma anterior. 
     
    O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, criado em 1966, está previsto na 
    Constituição Federal, em seu art. 7º, inciso III, como direito social dos 
    trabalhadores urbanos e rurais. 
     
    Constitui, pois, fruto civil do trabalho, enquadrando-se no inciso VI do 
    art. 271 do Código Civil de 1916, que expressamente inclui na comunhão as 
    verbas decorrentes do trabalho, verbis: 
     
    Art. 271. Entram na comunhão: 
     
    I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda 
    que só em nome de um dos cônjuges; 
     
    II - os adquiridos por fato eventual, com ou sem concurso de trabalho ou 
    despesa anterior; 
     
    III - os adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os 
    cônjuges (art. 269, I); 
     
    IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge; 
     
    V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, 
    percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a 
    comunhão dos adquiridos; 
     
    VI - os frutos civis do trabalho, ou indústria de cada cônjuge, ou de ambos. 
    (Grifou-se) 
     
    Dessa forma, tanto o valor oriundo do FGTS como a parte do imóvel que com 
    ele foi adquirida passaram a integrar o patrimônio comum do casal, devendo, 
    por conseguinte, ser partilhados. 
     
    Note-se, contudo, que o Código Civil de 1916 apresenta uma contradição neste 
    ponto, de tal sorte que, a despeito da redação do citado art. 271, 
    poder-se-ia sustentar que os frutos civis do trabalho estão excluídos da 
    comunhão parcial. 
     
    Ocorre que o enunciado normativo do art. 269, ao prever os bens que devem 
    ser excluídos do patrimônio comum no regime da comunhão parcial de bens, 
    remete ao art. 263, que, por sua vez, estabelece expressamente, em seu 
    inciso XIII, que os frutos civis do trabalho ou indústria excluem-se da 
    comunhão. 
     
    Transcrevo os mencionados dispositivos legais: 
     
    Art. 269. No regime de comunhão limitada ou parcial, excluem-se da comunhão: 
     
    I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na 
    constância do matrimônio por doação ou por sucessão; 
     
    II - os adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos 
    cônjuges, em sub-rogação dos bens particulares; 
     
    III - os rendimentos de bens de filhos anteriores ao matrimônio a que tenha 
    direito qualquer dos cônjuges em consequência do pátrio poder; 
     
    IV - os demais bens que se consideram também excluídos da comunhão 
    universal. (Grifou-se) 
     
    Art. 263. São excluídos da comunhão: 
     
    (...) 
     
    XIII - os frutos civis do trabalho ou indústria de cada cônjuge ou de ambos. 
     
    (...) 
     
    Ainda que se admitisse a aplicação de tais regras, contudo, não seria 
    possível reconhecer-se a pretensão do recorrente. 
     
    Ocorre que tanto a doutrina como a jurisprudência têm interpretado tais 
    dispositivos legais de forma restritiva, entendendo que a incomunicabilidade 
    se limita ao valor depositado no Fundo de Garantia, não se estendendo ao 
    valor quando sacado ou quando utilizado para a aquisição de bens, que, 
    portanto, não se sub-rogam. 
     
    A incomunicabilidade, desse modo, se restringe ao direito ao recebimento dos 
    frutos civis do trabalho, mas não aos valores. Uma vez percebidos, eles 
    passam a integrar o patrimônio comum. 
     
    Neste ponto, importa citarSilvio Rodrigues, em comentário específico acerca 
    do tema que, embora se refira à legislação civil atual, se amolda 
    perfeitamente à matéria em discussão (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: 
    Direito de família. v. 6. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 
    2004, p. 183): 
     
    O direito ao recebimento de tais valores, ou seja, à pensão, montepio, 
    meio-soldo, salários etc., não se comunica com o casamento, em virtude de 
    seu caráter personalíssimo. 
     
    Mas, recebida a remuneração, o valor assim obtido entra no patrimônio do 
    casal. Da mesma maneira, os bens adquiridos com seu produto. 
     
    (...) 
     
    Assim, no exato instante em que as referidas rendas se transformam em 
    patrimônio, por exemplo, pela compra de bens, opera-se, em relação a estes, 
    a comunhão, pela incidência da regra contida nos arts. 1.658 e 1.660, I, até 
    porque não acrescenta o inciso em exame a hipótese 'e os bens sub-rogados em 
    seu lugar'. 
     
    Entendimento diverso contraria a essência do regime da comunhão parcial e 
    levaria ao absurdo de só se comunicarem os aquestos adquiridos com o produto 
    dos bens particulares e comuns ou por fato eventual, além dos destinados por 
    doação ou herança ao casal. 
     
    Este é o entendimento atual deste Superior Tribunal de Justiça, que 
    reconhece que não se deve excluir da comunhão os proventos do trabalho 
    recebidos ou pleiteados na constância do casamento, sob pena de se 
    desvirtuar a própria natureza do regime. 
     
    A comunhão parcial de bens, como é cediço, funda-se na noção de construção 
    de patrimônio comum durante a vigência do casamento, com separação, grosso 
    modo, apenas dos bens adquiridos ou originados anteriormente. 
     
    A respeito, cito lição de ilustres doutrinadores da matéria (OLIVEIRA, José 
    Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de Direito de 
    Família. 3. ed. atual. Curitiba: Editora Juruá, 1999, p. 374-375): 
     
    Nos regimes de comunhão, os bens dos cônjuges são organizados de modo a 
    formar uma massa comum. O regime tem uma real incidência sobre os bens e dá 
    origem a uma determinada estrutura patrimonial. 
     
    Durante esses regimes, os bens comuns formam uma massa patrimonial que 
    pertence globalmente a ambos os cônjuges, o que corresponder a uma comunhão 
    sem cotas. O patrimônio comum não se reparte entre os cônjuges, por cotas 
    determinadas. 
     
    (...) 
     
    E note-se que o regime de comunhão supõe uma preexistente relação entre os 
    titulares: a relação matrimonial com a qual se encontra ligada e que produz 
    para eles outros efeitos. Essa relação, que associa os cônjuges tão 
    estreitamente nos múltiplos aspectos da vida, projeta-se sobre o plano 
    patrimonial e explica a razão porque o direito à meação, de que cada cônjuge 
    é titular no patrimônio comum, só é realizável depois de finda a sociedade 
    conjugal. 
     
    De fato, os proventos de trabalho configuram os aquestos matrimoniais comuns 
    por excelência, sendo que a incomunicabilidade, não somente deles mas também 
    dos bens com eles adquiridos, como pretende o recorrente, levaria à 
    inusitada conclusão de que, no regime de comunhão parcial de bens, o 
    patrimônio comum estaria restrito ao frutos dos bens particulares, às 
    doações realizadas ao casal e aos bens adquiridos por fato eventual, o que, 
    a toda evidência, vai de encontro à natureza e à finalidade do instituto. 
     
    Os regimes de comunhão, quer total quer parcial, privilegiam a união de 
    esforços de ambos os cônjuges na construção da vida matrimonial, valorizando 
    não somente o aporte de bens ao patrimônio comum, mas também a contribuição 
    realizada por meio de trabalho e dedicação à vida conjugal. 
     
    A interpretação literal dos dispositivos legais apontados não se coaduna com 
    o regime da comunhão, conduzindo inevitavelmente a uma situação de 
    injustiça, ainda mais evidente na hipótese em que um dos cônjuges não exerce 
    atividade laboral. 
     
    Sua interpretação, portanto, deve ser restrita, de forma a harmonizá-los com 
    a essência e com a finalidade do regime. 
     
    A corroborar tal entendimento, cito dois julgados desta Corte, de relatoria 
    da eminente Ministra Nancy Andrighi, acerca dessa questão: 
     
    Direito civil e família. Recurso especial. Ação de divórcio.Partilha dos 
    direitos trabalhistas. Regime de comunhão parcial de bens. Possibilidade. - 
    Ao cônjuge casado pelo regime de comunhão parcial de bens é devida à meação 
    das verbas trabalhistas pleiteadas judicialmente durante a constância do 
    casamento.- As verbas indenizatórias decorrentes da rescisão de contrato de 
    trabalho só devem ser excluídas da comunhão quando o direito trabalhista 
    tenha nascido ou tenha sido pleiteado após a separação do casal. Recurso 
    especial conhecido e provido. (REsp 646529/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, 
    TERCEIRA TURMA, julgado em 21/06/2005, DJ 22/08/2005, p. 266) (Grifou-se) 
     
    Direito civil. Família. Recurso especial. Divórcio direto. Embargos de 
    declaração. Multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC, afastada. 
    Partilha de bens. Crédito resultante de execução. Ausência de interesse 
    recursal. Eventuais créditos decorrentes de indenização por danos materiais 
    e morais proposta por um dos cônjuges em face de terceiro. 
    Incomunicabilidade. Créditos trabalhistas.Comunicabilidade. Fixação dos 
    alimentos. Razoabilidade na fixação.Comprovação da necessidade de quem os 
    pleiteia e da possibilidade de quem os presta. (...) - O ser humano vive da 
    retribuição pecuniária que aufere com o seu trabalho. Não é diferente quando 
    ele contrai matrimônio, hipótese em que marido e mulher retiram de seus 
    proventos o necessário para seu sustento, contribuindo, proporcionalmente, 
    para a manutenção da entidade familiar. (REsp 1024169/RS, Rel. Ministra 
    NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/04/2010, DJe 28/04/2010 
    DECTRAB vol. 191, p. 105 LEXSTJ vol. 249, p. 117) 
     
    Ainda nesse sentido, porém analisando hipótese de comunhão universal merece 
    menção outro precedente desta Corte da relatoria do eminente Min. Ruy 
    Rosado, cuja ementa foi a seguinte: 
     
    REGIME DE BENS. Comunhão universal. Indenização trabalhista.Integra a 
    comunhão a indenização trabalhista correspondente a direitos adquiridos 
    durante o tempo de casamento sob regime de comunhão universal.Recurso 
    conhecido e provido. (REsp 421801/RS, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, 
    QUARTA TURMA, julgado em 26/05/2003, DJ 15/12/2003, p. 314) 
     
    Enfim, o acórdão recorrido do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul 
    alinhou-se perfeitamente à jurisprudência desta Corte, devendo ser mantido. 
     
    Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. 
     
    É o voto. 
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