A Lei Mineira Nº 19.414/10 e o termo inicial para cobrança dos emolumentos por ela instituídos ou aumentados

Letícia Franco Maculan Assumpção

 

A Lei Estadual Mineira nº 19.414/2010, publicada no Minas Gerais de 31/12/2010, alterou a Lei Estadual nº 15.424, de 30 de dezembro de 2004, que dispõe sobre a fixação, a contagem, a cobrança e o pagamento de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, o recolhimento da taxa de fiscalização judiciária e a compensação dos atos sujeitos à gratuidade. (MINAS GERAIS, 2010; MINAS GERAIS, 2004)

É importante verificar o momento exato da entrada em vigor da referida lei, posto que a norma constante do seu art. 7º, abaixo reproduzido, exige análise para completa compreensão:

Art. 7° Esta Lei entra em vigor no exercício financeiro subsequente ao da sua publicação, observado o disposto na alínea "c" do inciso III do art. 150 da Constituição da República.

A interpretação da referida norma é a seguinte: a lei entra em vigor no dia 1º de janeiro de 2011, mas deve ser observado, quanto à vigência, também o art. 150, III, “c”, da Constituição da República, que assim estabelece:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

III - cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (BRASIL, 1988)

Assim, havendo aumento ou instituição de tributo - e a natureza jurídica dos emolumentos é de taxa, espécie de tributo, conforme jurisprudência reiterada do STF[1]-, para a cobrança dos emolumentos há que se observar o princípio da anterioridade, ou seja, somente podem ser cobrados no exercício seguinte à publicação da lei e ainda a anterioridade nonagesimal, ou seja,  apenas após decorridos noventa dias da publicação da mesma lei.

É o que ensina a doutrina de Carlos Fernando Fecchio dos Santos:

Pode-se observar, portanto, que o princípio da anterioridade possui duplo aspecto: o que exige que a norma instituidora ou majoradora de tributo surta efeitos somente no exercício subsequente ao da sua publicação (alínea b) e o que exige um lapso de tempo mínimo de noventa dias entre a publicação da norma e sua eficácia (alínea c). Ou seja, tem-se a anterioridade de exercício, ou simplesmente anterioridade, e a anterioridade nonagesimal.

A anterioridade de exercício é o princípio que limita o poder de tributar dos entes competentes no sentido de que a norma instituidora do tributo ou que o aumenta somente poderá ser exigida em novo exercício financeiro, se comparado ao que ocorreu a sua publicação. Assim, a título de ilustração, se a lei de determinado Município, publicada em Janeiro de 2009, vier a alterar a alíquota utilizada para a quantificação do IPTU de 1% para 2%, essa somente poderá ser exigida em 01/01/2010, pois é preciso que se aguarde um novo exercício financeiro (que hoje, no Brasil, coincide com o ano civil – Lei 4.320/64, art. 34). 4

Em razão dessa exigência de novo exercício financeiro é que o princípio é denominado, comumente, de anterioridade de exercício.

Diferentemente é a aplicabilidade da anterioridade nonagesimal, pois manda observar um liame de tempo mínimo de noventa dias entre a publicação da norma que institui ou que majora o tributo e a sua exigência. Desta maneira, se naquele mesmo exemplo a lei que aumentou a alíquota do IPTU de 1% para 2% tivesse sido publicada aos 18 de novembro de 2008, não obstante em 01/01/2009 já exista novo exercício financeiro, a sua cobrança, nos novos moldes, poderá se dar somente aos 16/02/2009, isto é, no 90º dia contados a partir de sua publicação.

Na realidade, o princípio da anterioridade nonagesimal visa evitar que o contribuinte ou responsável tributário venha a ser surpreendido por uma inovação tributária que onere a sua condição, pois se assim não fosse, uma lei publicada aos 31 de dezembro de dado ano, por exemplo, para vigorar já na data de sua publicação, já poderia ser exigida no dia 1º de janeiro seguinte, pelo que a pessoa a quem a exação é imputada estaria desprovida de um mínimo tempo para se preparar para a nova situação lhe imposta.

É clarividente que se a norma instituidora ou majoradora do tributo for publicada até o dia 02 de outubro, a sua exigência já poderá sobrevir no dia 01 de janeiro subseqüente, pois aquele prazo de noventa dias já teria sido observado. (SANTOS, 2011)

Portanto, a Lei nº 19.414/2010 entra em vigor no dia 1º de janeiro de 2011 quanto a qualquer disposição que não envolva aumento ou instituição de tributo, mas quanto aos emolumentos por ela instituídos ou aumentados, somente entra em vigor decorridos 90 (noventa) dias da sua publicação.

São duas as afirmações: a) como a mencionada lei trata também de outros temas que não aumento de emolumentos, quanto a tais temas já está em vigor desde 1º de janeiro de 2011; b) quanto aos emolumentos instituídos ou  aumentados pela lei, somente serão cobrados 90 (noventa dias) após a publicação.

Ultrapassados tais problemas, deve ser afirmado qual o dia exato em que a Lei nº 19.414/2010 entra em vigor.

Para tanto, observe-se que a Lei Complementar nº 95/98 dispõe no parágrafo 1º do seu art. 8º que:

Art. 8o A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão.

§ 1o A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral. (BRASIL, 2011)

Como a Lei nº 19.414/2010 foi publicada no dia 31 de dezembro de 2010, adotando-se a norma supramencionada, que expressamente determina que a entrada em vigor ocorre no dia subseqüente à sua consumação integral, pode-se afirmar que a Lei nº 19.414/2010, no que se refere a aumento e instituição de emolumentos, entra em vigor no dia 31 de março de 2011, devendo ser aplicada para os fatos geradores ocorridos a partir da referida data, ou seja, para os atos notariais ou de registro praticados a partir de 31 de março de 2011, inclusive.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial  da União, Brasília, 05 out. 1988.

 

BRASIL. Lei Complementar n. 95, de 26 de fevereiro de 1988. Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp95.htm>. Acesso em: 4 de fev. de 2011.

 

SANTOS, Carlos Fernando Fecchio dos Santos dos. Aplicação do princípio da anterioridade na inovação à legislação tributária via medida provisória. Disponível em: http://www.jurisite.com.br/doutrinas/Tributario/douttribut71.html> Acesso em: 04 fev. 2011.

 

MELO JÚNIOR, Regnoberto Marques de. Da natureza jurídica dos emolumentos notariais e registrais. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 591, 19 fev. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br>. Acesso em: 08. nov. 2009.

 

______. Dos emolumentos notariais e registrais.  Rio de janeiro: Freitas Bastos, 2005. 690p.

 

MINAS GERAIS. Lei Estadual  n. 15.424, de 30 de dezembro de 2004. Dispõe sobre a fixação, a contagem, a cobrança e o pagamento de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, o recolhimento da Taxa de Fiscalização Judiciária e a compensação dos atos sujeitos à gratuidade estabelecida em lei federal e dá outras providências. Disponível em: <http://www.fazenda.mg.gov.br>. Acesso em: 4 de fev. de 2011.

 

MINAS GERAIS. Lei Estadual  n. 19.414, de 30 de dezembro de 2010. Altera a  Lei nº 15.424, de 30 de dezembro de 2004, que dispõe sobre a fixação, a contagem, a cobrança e o pagamento de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, o recolhimento da taxa de fiscalização judiciária e a compensação dos atos sujeitos à gratuidade estabelecida em lei federal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.fazenda.mg.gov.br>. Acesso em: 4 de fev. de 2011.
 


[1]Há discussão sobre a natureza jurídica dos emolumentos – se seriam taxa ou teriam natureza remuneratória. Regnoberto Marques de Melo Júnior discorre sobre tal divergência, esclarecendo que no Supremo Tribunal Federal prevalece o entendimento da natureza tributária dos emolumentos, de espécie taxa, precedente firmado no Rp nº 895-GB, em meados de 1973, e reproduzido em diversos outros julgados posteriores. (MELO JÚNIOR, 2009). Tendo em vista a jurisprudência do STF, devem ser observadas as limitações ao poder de tributar para fins de aumento ou instituição de emolumentos.

 

Letícia Franco Maculan Assumpção

Oficial de Registro do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito do Barreiro, BH/MG
Pós graduada em Direito Público, Mestre em Direito Público pela FUMEC.
Ex-Procuradora do Município de Belo Horizonte, Ex-Procuradora da Fazenda Nacional.


Fonte: SERJUS-ANOREG/MG - 07/02/2011.

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