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    lA busca do reconhecimento de vínculo de filiação socioafetiva é possível 
    por meio de ação de investigação de paternidade ou maternidade, desde que 
    seja verificada a posse do estado de filho. No caso julgado, a Terceira 
    Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime, negou a 
    existência da filiação socioafetiva, mas admitiu a possibilidade de ser 
    buscado seu reconhecimento em ação de investigação de paternidade ou 
    maternidade.  
     
    O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) havia rejeitado a 
    possibilidade de usar esse meio processual para buscar o reconhecimento de 
    relação de paternidade socioafetiva. Para o TJRS, seria uma “heresia” usar 
    tal instrumento – destinado a “promover o reconhecimento forçado da relação 
    biológica, isto é, visa impor a responsabilidade jurídica pela geração de 
    uma pessoa” – para esse fim.  
     
    Analogia 
     
    A relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, apontou em seu voto que a 
    filiação socioafetiva é uma construção jurisprudencial e doutrinária ainda 
    recente, não respaldada de modo expresso pela legislação atual. Por isso, a 
    ação de investigação de paternidade ou maternidade socioafetiva deve ser 
    interpretada de modo flexível, aplicando-se analogicamente as regras da 
    filiação biológica.  
     
    “Essa aplicação, por óbvio, não pode ocorrer de forma literal, pois são 
    hipóteses símeis, não idênticas, que requerem, no mais das vezes, ajustes 
    ampliativos ou restritivos, sem os quais restaria inviável o uso da 
    analogia”, explicou a ministra. “Parte-se, aqui, da premissa que a verdade 
    sociológica se sobrepõe à verdade biológica, pois o vínculo genético é 
    apenas um dos informadores da filiação, não se podendo toldar o direito ao 
    reconhecimento de determinada relação, por meio de interpretação jurídica 
    pontual que descure do amplo sistema protetivo dos vínculos familiares”, 
    acrescentou.  
     
    Segundo a relatora, o artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente 
    (ECA) afasta restrições à busca da filiação e assegura ao interessado no 
    reconhecimento de vínculo socioafetivo trânsito livre da pretensão. Afirma o 
    dispositivo legal: “O reconhecimento do estado de filiação é direito 
    personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra 
    os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de 
    justiça.”  
     
    Estado de filho 
     
    Apesar de dar legitimidade ao meio processual buscado, no caso especifico, a 
    Turma não verificou a “posse do estado de filho” pela autora da ação, que 
    pretendia ser reconhecida como filha. A ministra Nancy Andrighi diferenciou 
    a situação do detentor do estado de filho socioafetivo de outras relações, 
    como as de mero auxílio econômico ou mesmo psicológico.  
     
    Conforme doutrina apontada, três fatores indicam a posse do estado de filho: 
    nome, tratamento e fama. No caso concreto, a autora manteve o nome dado pela 
    mãe biológica; não houve prova definitiva de que recebia tratamento de filha 
    pelo casal; e seria de conhecimento público pela sociedade local que a 
    autora não era adotada pelos supostos pais.  
     
    “A falta de um desses elementos, por si só, não sustenta a conclusão de que 
    não exista a posse do estado de filho, pois a fragilidade ou ausência de 
    comprovação de um pode ser complementada pela robustez dos outros”, ponderou 
    a ministra. Contudo, ela concluiu no caso julgado que a inconsistência dos 
    elementos probatórios se estende aos três fatores necessários à comprovação 
    da filiação socioafetiva, impedindo, dessa forma, o seu reconhecimento.  
     
    O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial. 
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