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    O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) interrompeu, no início da noite 
    desta quarta-feira (04), o julgamento conjunto da Ação Direta de 
    Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito 
    Fundamental (ADPF) 132, em que se discute a equiparação da união estável 
    entre pessoas do mesmo sexo à entidade familiar, preconizada pelo artigo 
    1.723 do Código Civil (CC), desde que preenchidos requisitos semelhantes. 
     
    Dispõe esse artigo que “é reconhecida como entidade familiar a união estável 
    entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e 
    duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. 
     
    A interrupção ocorreu depois que o relator, ministro Ayres Britto, havia 
    julgado procedentes as duas ações para dar ao artigo 1.723 do Código 
    interpretação conforme a Constituição Federal (CF). Antes do voto de mérito, 
    o ministro havia convertido também a ADPF 132 em ADI, a exemplo do que 
    ocorrera anteriormente com a ADI 4277, que também havia sido ajuizada, 
    inicialmente, como ADPF. 
     
    Pedidos 
     
    A ADI 4277 foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) com 
    pedido de interpretação conforme a Constituição Federal do artigo 1.723 do 
    Código Civil, para que se reconheça sua incidência também sobre a união 
    entre pessoas do mesmo sexo, de natureza pública, contínua e duradoura, 
    formada com o objetivo de constituição de família. 
     
    A PGR sustenta que o não reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo 
    como entidade familiar fere os princípios da dignidade humana, previsto no 
    artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal – CF; da igualdade (artigo 
    5º, caput, da CF); da vedação de discriminação odiosas (artigo 3º, inciso V, 
    da CF); da liberdade (artigo 5º, caput) e da proteção à segurança jurídica 
    (artigo 5º, caput), todos da Constituição Federal (CF). 
     
    Com igual objetivo, considerando a omissão do Legislativo Federal sobre o 
    assunto, o governo do Rio de Janeiro ajuizou a ADPF 132. Também ele alega 
    que o não reconhecimento da união homoafetiva contraria preceitos 
    fundamentais como igualdade, liberdade (da qual decorre a autonomia da 
    vontade) e o princípio da dignidade da pessoa humana, todos da Constituição 
    Federal. 
     
    Manifestações  
     
    O voto do ministro Ayres Britto foi precedido de manifestações da 
    Advocacia-Geral da União (AGU), da Procuradoria-Geral da República (PGR) e 
    de diversas entidades representativas de homossexuais pela procedência das 
    duas ações, enquanto a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a 
    Associação Eduardo Banks se manifestaram contra. 
     
    O representante da CNBB alegou que a Constituição Federal não prevê este 
    tipo de união. Segundo ele, a CF estabelece limitação expressa, ao prever 
    união estável entre homem e mulher, e não entre seres do mesmo sexo. 
    Portanto, de acordo com o advogado, não se trata de uma lacuna 
    constitucional. Logo, não caberia ao Judiciário, mas sim ao Legislativo, se 
    for o caso, alterar o correspondente dispositivo constitucional. 
     
    Voto 
     
    Em seu voto, o ministro Ayres Britto lembrou que foi dito na tribuna que o 
    artigo 1.723 do Código Civil é quase uma cópia do parágrafo 3º do artigo 226 
    da CF. Mas ressaltou que “há uma diferença fundamental”. Isto porque, 
    segundo ele, “enquanto a CF nos fornece elementos para eliminar uma 
    interpretação reducionista, o Código Civil não nos dá elementos, ele 
    sozinho, isoladamente, para isolar dele uma interpretação reducionista”. 
     
    “Agora, o texto em si do artigo 1.723 é plurissignificativo, comporta mais 
    de uma interpretação”, observou ainda. “E, por comportar mais de uma 
    interpretação, sendo que, uma delas se põe em rota de colisão com a 
    Constituição, estou dando uma interpretação conforme, postulada em ambas as 
    ações”. 
     
    Na sustentação do seu voto, o ministro Ayres Britto disse que em nenhum dos 
    dispositivos da Constituição Federal que tratam da família – objeto de uma 
    série de artigos da CF – está contida a proibição de sua formação a partir 
    de uma relação homoafetiva. Também ao contrário do que dispunha a 
    Constituição de 1967, segundo a qual a família se constituía somente pelo 
    casamento, a CF de 1988 evoluiu para dar ênfase à instituição da família, 
    independentemente da preferência sexual de seus integrantes. 
     
    Ele argumentou, também, que o artigo 3º, inciso IV, da CF, veda qualquer 
    discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém 
    pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual. 
     
    “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para 
    desigualação jurídica”, observou o ministro, para concluir que qualquer 
    depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV 
    do artigo 3º da CF.  
     
    Ele lembrou, neste contexto, que a União Europeia baixou diversas resoluções 
    exortando seus países membros que ainda mantenham legislação discriminatória 
    contra homossexuais que a mudem, para respeitar a liberdade e livre 
    determinação desses grupos. 
     
    Ademais, conforme argumentou, a Constituição Federal “age com intencional 
    silêncio quanto ao sexo”, respeitando a privacidade e a preferência sexual 
    das pessoas. “A Constituição não obrigou nem proibiu o uso da sexualidade. 
    Assim, é um direito subjetivo da pessoa humana, se perfilha ao lado das 
    clássicas liberdades individuais”. 
     
    “A preferência sexual é um autêntico bem da humanidade”, afirmou ainda o 
    ministro, observando que, assim como o heterossexual se realiza pela relação 
    heterossexual, o homoafetivo tem o direito de ser feliz relacionando-se com 
    pessoa do mesmo sexo. 
     
    Por fim, o ministro disse que o artigo 1723 do Código Civil deve ser 
    interpretado conforme a Constituição, para dele excluir "qualquer 
    significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e 
    duradoura entre pessoas do mesmo sexo como ‘entidade familiar’, entendida 
    esta como sinônimo perfeito de ‘família’”. 
     
    
    Leia a íntegra do voto do relator. 
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