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    Se duas pessoas são casadas em qualquer regime de bens ou vivem em união 
    estável e uma delas falece, a outra tem, por direito, a segurança de 
    continuar vivendo no imóvel em que residia o casal, desde que o patrimônio 
    seja o único a ser objeto de processo de inventário. Esse foi o entendimento 
    da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao rejeitar o 
    recurso especial de quatro herdeiras que travam briga judicial a fim de 
    retirar a segunda esposa do pai, já falecido, de um apartamento no Plano 
    Piloto, área nobre de Brasília.  
     
    C.S.D. e sua esposa eram proprietários de um apartamento na Asa Norte, 
    bairro da capital federal. A cônjuge faleceu em 1981, transferindo às quatro 
    filhas do casal a meação que tinha sobre o imóvel. Entretanto, em 1989, o 
    pai das herdeiras se casou, novamente, com G.M., sob o regime da separação 
    obrigatória de bens. Dez anos depois, C.S.D. faleceu, ocasião em que as 
    filhas do primeiro casamento herdaram a outra metade do imóvel em questão.
     
     
    Em 2002, as quatro herdeiras ajuizaram ação de reintegração de posse contra 
    a viúva do pai, visando retirá-la da posse do imóvel. Em primeiro grau, o 
    pedido foi indeferido. A sentença afirmou que o artigo 1.831 do Código Civil 
    outorga ao cônjuge sobrevivente o direito real de habitação sobre o imóvel 
    da família, desde que ele seja o único a inventariar. O Tribunal de Justiça 
    do Distrito Federal e Territórios (TJDF) manteve o entendimento da sentença.
     
     
    Inconformadas, as herdeiras recorreram no STJ alegando que a segunda esposa 
    do pai não teria direito real de habitação sobre o imóvel, porque era casada 
    sob o regime de separação total de bens. No recurso especial, sustentaram 
    que, nos termos do artigo 1.611 do Código Civil de 1916 (vigente quando foi 
    aberto o processo de sucessão), o direito de habitação só era válido para o 
    cônjuge casado sob o regime da comunhão universal de bens.  
     
    Para o relator do processo, ministro Sidnei Beneti, a essência do caso está 
    em saber se a viúva, segunda esposa do proprietário do apartamento, faz ou 
    não faz jus ao direito real de habitação sobre o imóvel em que residia com o 
    seu falecido marido, tendo em vista a data da abertura da sucessão e o 
    regime de bens desse casamento.  
     
    Em seu voto, o ministro explicou que o Código Civil de 2002, em seu artigo 
    1.831, garante ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens e 
    sem prejuízo do que lhe caiba por herança, o direito real de habitação sobre 
    o imóvel destinado à residência da família, desde que ele seja o único a ser 
    inventariado. Antes, porém, do novo código, a Lei nº 9.278/1996 já havia 
    conferido direito equivalente às pessoas ligadas pela união estável.  
     
    Assim, “a interpretação literal das normas postas levaria à conclusão de que 
    o companheiro estaria em situação privilegiada em relação ao cônjuge e, 
    desse modo, estaríamos em uma situação de todo indesejada no ordenamento 
    jurídico brasileiro. Por isso, é de se rechaçar a adoção dessa interpretação 
    literal da norma”, ponderou.  
     
    Com base em interpretação mais abrangente, na qual a lei 9.278 teria 
    anulado, a partir da sua entrada em vigor, o artigo 1.611 do Código Civil de 
    1916 e, portanto, neutralizado o posicionamento restritivo contido na 
    expressão “casados sob o regime da comunhão universal de bens”, o ministro 
    votou pelo não provimento do recurso especial interposto pelas quatro 
    herdeiras.  
     
    “Uma interpretação que melhor ampara os valores espelhados pela Constituição 
    Federal é a que cria uma moldura normativa pautada pela isonomia entre a 
    união estável e o casamento. Dessa maneira, tanto o companheiro, como o 
    cônjuge, qualquer que seja o regime do casamento, estarão em situação 
    equiparada, adiantando-se, de tal modo, o quadro normativo que só veio se 
    concretizar explicitamente com a edição do novo Código Civil”, disse o 
    relator.  
     
    Sidnei Beneti negou provimento ao recurso especial, ressaltando que, apesar 
    de o cônjuge da segunda esposa ter falecido em 1999, seria indevido recusar 
    à viúva o direito real de habitação sobre o imóvel em que residiam, tendo em 
    vista a aplicação analógica, por extensão, do artigo 7º da Lei 9.278. A 
    decisão da Terceira Turma do STJ foi unânime.  
     
    
    REsp 821660 
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