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20/05/2025

Artigo - VGBL, PGBL e planejamento sucessório: STF traça rumos e PLP 108 reabre discussão sobre ITCMD

Os planos de previdência privada, especialmente os do tipo VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) e PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre), sempre foram reconhecidos como ferramentas de aposentadoria complementar. No entanto, com o amadurecimento do entendimento jurídico-tributário, esses instrumentos passaram a ocupar posição de destaque nos projetos de planejamento sucessório, especialmente em razão de seu regime contratual e das vantagens tributárias envolvidas.

Esse protagonismo ganhou novo fôlego em dezembro de 2024, quando o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.363.013 (Tema 1.214), declarou inconstitucional a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), de competência estadual, sobre os valores pagos aos beneficiários de planos VGBL e PGBL em razão do falecimento do titular.

A corte entendeu que tais valores não configuram herança, mas sim obrigação de natureza contratual, estabelecida previamente entre o titular e a instituição financeira, com beneficiários designados de forma expressa e direta — beneficiários esses, aliás, não necessariamente herdeiros. Assim, o pagamento não decorre de sucessão hereditária, mas sim do cumprimento de cláusulas contratuais válidas, afastando o fato gerador do ITCMD.

Essa distinção entre direito contratual e sucessório é essencial para compreender a lógica da decisão. Ao contrário do patrimônio transferido por herança, os recursos dos planos de previdência são direcionados diretamente aos beneficiários indicados em contrato, de forma automática, independentemente do inventário. Essa característica os aproxima dos seguros de vida, em que os valores também não compõem o espólio e não estão sujeitos à partilha. Por essa razão, o STF concluiu que não se aplica o ITCMD a esses repasses.

Resistência dos estados e o PLP 108

Contudo, mesmo após a decisão de efeito vinculante da mais alta corte do país, diversos estados da federação mantiveram interpretações divergentes e resistiram em aplicar esse entendimento de forma plena. O argumento central apresentado pelos fiscos estaduais gira em torno da suposta dupla natureza dos planos de previdência: de um lado, haveria um componente securitário, isento da tributação; de outro, uma parte relativa à acumulação de capital, que refletiria um investimento e, portanto, poderia ser considerada uma transmissão patrimonial tributável. Além disso, os estados sustentam que, na ausência de uma lei complementar federal regulamentando a matéria, suas legislações ordinárias locais ainda teriam validade para disciplinar a incidência do ITCMD.

É nesse contexto que entra o Projeto de Lei Complementar nº 108 de 2024. Aprovado na Câmara dos Deputados em outubro daquele ano como parte do pacote de regulamentação da reforma tributária, o PLP 108/2024 visa uniformizar a legislação sobre o ITCMD, alinhando-a à decisão do STF e excluindo expressamente da sua base de cálculo os valores pagos a beneficiários de planos VGBL e PGBL em caso de morte do titular.

A iniciativa é um passo importante para consolidar a segurança jurídica e impedir que estados insistam em interpretações divergentes da decisão do Supremo, promovendo cobranças potencialmente inconstitucionais e incentivando a judicialização em massa de questões que deveriam estar pacificadas.

No entanto, a tramitação do projeto no Senado revelou que o impasse federativo ainda está longe de ser resolvido. Relator da proposta na Comissão de Constituição e Justiça, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) previu audiências públicas para o primeiro semestre de 2025 e indicou a complexidade do tema como um dos fatores para o prolongamento do debate. Estados continuam manifestando preocupação com a perda de receita oriunda do ITCMD incidente sobre grandes heranças, e defendem que a exclusão dos planos de previdência da base tributável compromete a arrecadação em um momento de transição fiscal delicada.

Apesar dos desafios regulatórios e da resistência pontual de alguns estados em reconhecer plenamente os efeitos da decisão do STF, os planos VGBL e PGBL seguem representando instrumentos altamente eficazes e legítimos de planejamento patrimonial e sucessório. Sua estrutura contratual, a possibilidade de designação direta de beneficiários, a liquidez imediata e o potencial de economia tributária os tornam verdadeiras ferramentas de inteligência jurídica e financeira, especialmente em um cenário de reformas e reconfiguração do sistema tributário nacional.

A decisão trouxe a segurança interpretativa necessária para consolidar essa compreensão, e o avanço do PLP 108/2024 — ainda que envolto em debates — aponta para uma tendência de alinhamento legislativo àquilo que já foi reconhecido no plano constitucional: o caráter contratual, extrapatrimonial e autônomo desses ativos.

Nesse contexto, as instituições financeiras exercem um papel relevante ao disponibilizar produtos que transcendem sua função previdenciária, tornando-se verdadeiros mecanismos de proteção patrimonial. É na convergência entre o jurídico e o financeiro que se consolida um modelo de sucessão mais racional, eficiente e alinhado às exigências do cenário atual — e os planos de previdência privada, utilizados com inteligência e segurança jurídica, ocupam posição cada vez mais estratégica nesse novo ciclo.

  • Juliana Bhering Cabral Palhares: é sócia-fundadora do Bhering Cabral Advogados.
  • Rafael Frota I. B. Ferraz: é sócio do Bhering Cabral Advogados.

Fonte: Migalhas


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