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14/07/2025

Artigo - Relevância institucional do registro civil de PJs para entidades de direito privado não empresariais

Por Wagner Sant’Ana Barroso Filho

O Registro Civil das Pessoas Jurídicas (RCPJ) representa um dos pilares da organização jurídica brasileira no que se refere à formalização e à publicidade de entidades de direito privado não empresariais. Trata-se de um serviço delegado pelo poder público, com natureza técnica, jurídica e administrativa, destinado a conferir segurança, autenticidade, eficácia e publicidade aos atos e negócios jurídicos das pessoas jurídicas que não exercem atividade empresarial, como associações, fundações, organizações religiosas, partidos políticos, entre outras.

Com fundamento no artigo 236 da Constituição de 1988, dispositivo regulamentado pela Lei n° 8.935/1994, os serviços notariais e de registro exercem função pública essencial à segurança jurídica, prestados em caráter privado por delegação do Estado, e que desempenham um papel estruturante ao conferir existência legal a determinadas entidades por meio do registro de seus atos constitutivos.

A importância do tema se justifica não apenas pelo seu impacto direto na constituição formal das pessoas jurídicas e na produção de efeitos jurídicos perante terceiros, mas também pela função de controle, fiscalização e transparência que o RCPJ exerce no ordenamento jurídico. A ausência de registro implica na inexistência legal da pessoa jurídica, limitando seus efeitos ao plano interno entre os associados, sem repercussão perante o mundo jurídico.

O presente artigo tem como objetivo apresentar uma análise sistematizada do Registro Civil das Pessoas Jurídicas, abordando sua natureza jurídica, finalidade, modalidades de atos praticados e vinculação normativa e técnica para o exercício da função registral. Busca-se, com isso, compreender a relevância institucional do RCPJ no âmbito do direito registral brasileiro, destacando suas especificidades e os reflexos jurídicos decorrentes de sua atuação.

Natureza jurídica

O Registro Civil de Pessoas Jurídicas é um serviço de atribuição técnica, jurídica e administrativa que, assegurando a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos e negócios jurídicos, tem por finalidade registrar atos constitutivos e subsequentes alterações de pessoas jurídicas de direito privado não empresariais. Nos termos do artigo 1º da Lei 8.935 de 1994, que regulamenta o artigo 236 da CF/1988, dispondo sobre serviços notariais e de registro: “Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”.

O registro de pessoas jurídicas tem natureza constitutiva, pois confere personalidade jurídica à entidade, a qual passa a ser sujeito de direito. Neste sentido, define a Lei de Registros Públicos (LRP), a Lei 6.015/1973, no caput do artigo 119 que “A existência legal das pessoas jurídicas só começa com o registro de seus atos constitutivos”.

Entretanto, o registro pode ocorrer tanto no RCPJ quanto no Registro Público de Empresas Mercantis (RPEM), a depender da natureza da sociedade cujos atos serão inscritos, em virtude do sistema de bipartição dos registros de pessoa jurídica. O empresário e a sociedade empresária serão objeto de registro no RPEM e as sociedades simples a cargo do RCPJ, conforme artigo 1.150 do Código Civil:

“Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária.”

Os atos constitutivos aptos para registro no RCPJ também podem assumir características distintas, a depender da espécie de pessoa jurídica que se busca constituir. O estatuto é o instrumento hábil para a constituição das associações, o contrato social para as sociedades simples, e a escritura pública ou testamento para as fundações. Porém, tais atos não podem ser considerados como o nascimento da pessoa jurídica, uma vez que somente poderá lhe ser atribuída personalidade jurídica com o devido registro, sem o qual permanecerá como uma sociedade não personificada. Quanto a esse aspecto nos ensina o professor Luiz Guilherme Loureiro (2023, p.460):

“O principal efeito do registro das entidades previstas em lei no Registro Civil das Pessoas Jurídicas é a aquisição da personalidade. Com efeito, para que possam adquirir personalidade jurídica, as associações, fundações, entidades religiosas e partidos políticos, assim como as sociedades simples (sociedades não empresárias), devem ser registradas em livro próprio pelo registrador civil das pessoas jurídicas. O registro é condição sine qua non para a existência regular das entidades supracitadas, conforme se constata do art. 45, caput, do Código Civil […].”

Atos praticados pelo RCPJ

O Registro Civil de Pessoas Jurídicas tem como finalidade realizar o registro, constitutivo e de eventuais alterações de determinados tipos de pessoas jurídicas, visto que o RCPJ tem atuação paralela ao RPEM. Assim, através do registro, assegurar-se-á o conhecimento público das informações, atribuindo-se segurança jurídica aos dados das pessoas jurídicas que se tem em sociedade. A partir de então, as informações adquirem presunção de legitimidade e de veracidade, pois o ato praticado pelo registrador é dotado de fé pública. Consequentemente, presume-se que as informações são verdadeiras e que estão consoantes à lei.

Uma pessoa jurídica cujos atos constitutivos não foram objeto de registro não será constituída, não podendo, portanto, produzir efeitos perante terceiros, tendo validade apenas entre os membros daquela entidade.

O RCPJ tem como escopo principal de atuação a prática de atos de registro, normalmente caracterizada pela inscrição de nova pessoa jurídica ou unidade produtiva. Com natureza acessória, tem-se os atos de averbação, de alteração ou cancelamento de assento, além dos atos de matrícula, para cadastro de determinadas categorias de PJ (rádios, oficinas, impressoras, etc.).

Quanto aos atos de matrícula, o RCPJ deve matricular jornais, revistas e demais publicações periódicas, oficinas impressoras, empresas de radiodifusão que mantenham serviços de notícias, reportagens, comentários, debates e entrevistas, e as empresas que tenham por objeto o agenciamento de notícias. Quanto ao ato de averbação, o RCPJ pratica nas respectivas inscrições e matrículas, todas as alterações supervenientes.

Importante ressaltar que, ao RCPJ, compete fornecer certidões dos atos arquivados e dos que praticar em razão do ofício, visto ser responsável por dar publicidade, ainda que indireta, aos atos praticados.

Assim, segundo a Central dos Cartórios de RCPJ do Estado do Rio de Janeiro (2016), devem ser obrigatoriamente registradas no RCPJ as seguintes entidades:

“- Administração Pública: Consórcio Público de Direito Privado e Fundação Pública de Direito Privado.

– Entidades Empresariais: Sociedade Simples Pura, Sociedade Simples Limitada, Sociedade Simples em Nome Coletivo, Sociedade Simples em Comandita Simples, Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (de Natureza Simples).

– Entidades sem Fins Lucrativos: Fundação Privada, Serviço Social Autônomo, Entidade de Mediação e Arbitragem, Entidade Sindical, Estabelecimento, no Brasil, de Fundação ou Associação Estrangeiras, Organização Religiosa, Órgão de Direção Nacional de Partido Político, Órgão de Direção Regional de Partido Político, Órgão de Direção Local de Partido Político, Organização Social (OS), Associação Privada.”

Adicionalmente, o RCPJ opera como um verdadeiro repositório de informações e de direitos relacionados às pessoas jurídicas, conferindo segurança jurídica e publicidade para os atos que foram averbados, como as alterações contratuais ou estatutárias, atas de assembleias, balanços patrimoniais, livros contábeis ou atos judiciais/extrajudiciais que envolvam a pessoa jurídica.

Vinculação normativa

O regramento principal para a disciplina da atuação do Registro Civil de Pessoas Jurídicas está nos artigos 114 a 126 da LRP. O artigo 114 do diploma apresenta, em seus incisos e parágrafo único, o que deve ser inscrito no referido cartório:

“Art. 114. No Registro Civil de Pessoas Jurídicas serão inscritos

I – os contratos, os atos constitutivos, o estatuto ou compromissos das sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, bem como o das fundações e das associações de utilidade pública;

II – as sociedades civis que revestirem as formas estabelecidas nas leis comerciais, salvo as anônimas.

III – os atos constitutivos e os estatutos dos partidos políticos.

Parágrafo único. No mesmo cartório será feito o registro dos jornais, periódicos, oficinas impressoras, empresas de radiodifusão e agências de notícias a que se refere o art. 8º da Lei nº 5.250, de 9-2-1967.”

O Código Civil de 2002 traz o regramento de apoio nos artigos 40 a 69. Dentre os dispositivos, destaca-se o artigo 44 [1], que esclarece que as pessoas jurídicas de direito privado são as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos. Destaca-se ainda, o artigo 45 [2], que apresenta em seu caput o momento do “nascimento” da pessoa jurídica de direito privado, com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro.

Outros diplomas apresentam dispositivos que provêm arcabouço normativo geral, que contribui para a disciplina das atividades inerentes ao Registro Civil de Pessoas Jurídicas. Como exemplo, a Lei 8.935/1994, a Lei dos Notários e Registradores, define o titular do RCPJ no inciso V do artigo 5º [3], além de especificar as atribuições e competências do respectivo oficial de registro no artigo 12 [4].

Conclusão

O presente estudo evidenciou o papel central do Registro Civil das Pessoas Jurídicas na estrutura do sistema jurídico brasileiro, especialmente no que tange à formalização, publicidade e eficácia jurídica dos atos constitutivos das entidades de direito privado não empresariais. Trata-se de instrumento técnico-jurídico de relevância inegável para a segurança jurídica das relações sociais e institucionais, atuando como um elo entre o ordenamento jurídico e a realidade fática das organizações civis.

Verificou-se que a natureza constitutiva do registro é pressuposto inafastável para a aquisição de personalidade jurídica pelas associações, fundações, sociedades simples, organizações religiosas e partidos políticos, conforme delineado pela legislação civil e registral em vigor. A inscrição no RCPJ não apenas materializa a existência jurídica dessas entidades, como também confere presunção de veracidade e legitimidade aos atos registrados, mediante a atuação dotada de fé pública do oficial registrador.

A análise das modalidades de atos praticados – registro, averbação e matrícula – permitiu compreender a abrangência funcional do RCPJ e sua importância como repositório oficial das manifestações formais de vontade das entidades registradas. Ressaltou-se, ainda, a normatização técnica da atividade, fundamentada em dispositivos da Lei n° 6.015/1973, do Código Civil de 2002 e da Lei n° 8.935/1994 que, em conjunto, conformam um regime jurídico harmônico e sistemático.

Em conclusão, o RCPJ configura-se como instituição fundamental à efetividade do princípio da segurança jurídica, funcionando como instrumento de tutela da boa-fé objetiva e da confiança legítima nas relações jurídicas que envolvem pessoas jurídicas de direito privado não empresariais. Sua compreensão, nos aspectos técnicos, normativos e jurisprudenciais, é imprescindível para o aprimoramento das práticas registrais e para o fortalecimento institucional do sistema jurídico brasileiro.

Fonte: Conjur


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