Por Tuany Barentin
A utilização da usucapião em sede defensiva é possível? Análise demonstra a via inadequada e fundamenta necessidade de ação declaratória autônoma.
A alegação de usucapião em sede defensiva é um tema amplamente debatido na prática do Direito Imobiliário, especialmente quando o réu, chamado a se defender em ação possessória ou petitória, alega sua condição de proprietário devido à consolidação do prazo aquisitivo necessário para a usucapião. Com as mudanças introduzidas pelo CPC de 2015, a matéria tornou-se mais complexa, gerando interpretativas situações e debatendo a viabilidade do uso da usucapião como matéria defensiva em reconvenção.
Inicialmente, deve-se destacar que, no CPC de 1973, havia um procedimento específico para a usucapião, o que evidenciava a necessidade de uma ação autônoma para o reconhecimento da prescrição aquisitiva. Contudo, com a revogação deste rito específico pelo novo Código, surgiram divergências e novos entendimentos na aplicação do tema, inclusive nos tribunais. Parte da comunidade jurídica começou a apoiar o uso da usucapião na forma de reconvenção, mas, conforme minha experiência de quase 15 anos na advocacia em Direito Imobiliário, tal tese enfrenta obstáculos e equívocos significativos.
A possibilidade de se pleitear usucapião em reconvenção é uma das questões mais debatidas atualmente. Contudo, essa discussão deve transcender o simples reconhecimento entre as partes sobre a aquisição de propriedade, devendo incluir a possibilidade de registro da sentença e a efetiva transferência do domínio. É crucial entender que, embora a usucapião já não tenha um procedimento especial regido, ela mantém regras próprias e conserva seu caráter declaratório e fundamental.
Nas ações possessórias, a alegação de posse, embasada na ocupação prolongada e com animus domini, é recorrente, mas não deve ser a única argumentação. Essas demandas não visam discutir a titularidade dominial. Já nas ações petitórias, que tratam da titularidade do domínio, a alegação de usucapião pode anular de forma eficaz o direito do autor, levando à improcedência do pedido.
Processualmente, o réu pode trazer a usucapião como defesa em sua contestação, sem a necessidade de requerer uma declaração expressa de aquisição da propriedade, buscando apenas a improcedência da ação. Essa perspectiva é, em minha visão, a forma mais adequada para garantir efetivamente a defesa. A usucapião pode ser arguida defensivamente a partir de situações fáticas já consolidadas, permitindo, inclusive, a cumulação com uma ação autônoma declaratória de propriedade.
Os maiores obstáculos à reconvenção de usucapião não estão na causa de pedir da ação principal, mas sim na composição dos sujeitos envolvidos no processo. Tornam-se inadequadas demandas em que o proprietário registral e terceiros confrontantes não compõem o polo processual, como em ações possessórias movidas por um terceiro ocupante anterior ao usucapiente, que poderiam resultar em uma declaração de propriedade com perda do domínio sem chance de defesa ao titular registral.
Embora o registro tenha efeito erga omnes, o antigo proprietário ficaria sem sua oportunidade de defesa, o que cria uma situação de injustiça processual, fundamentando futuras contestações e anulações do processo. Portanto, a forma adequada seria a propositura de uma ação própria para usucapião, sendo aceitável sua utilização como matéria defensiva em contestação, a fim de garantir amplo contraditório, respeitar o devido processo legal e assegurar a segurança jurídica que o instituto exige.
A orientação é clara: utilize a usucapião como um escudo defensivo eficaz em contestação, mas mantenha a ação declaratória autônoma como estratégia principal. Essa abordagem dupla é fundamental para assegurar tanto a defesa imediata quanto a declaração definitiva do direito, sem comprometer a validade do processo.
Fonte: Migalhas