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16/07/2025

Regularização fundiária em alta: novas leis, títulos entregues e vidas transformadas

Os Cartórios de Registro de Imóveis, peças-chave nesse processo, ganham destaque por formalizar títulos de propriedade e assegurar direitos

Propostas de lei no Congresso e ações de governos estaduais têm facilitado a formalização de imóveis urbanos e rurais ocupados irregularmente, garantindo segurança jurídica e inclusão social para milhares de famílias. Os Cartórios de Registro de Imóveis, peças-chave nesse processo, ganham destaque por formalizar títulos de propriedade e assegurar direitos. “A regularização dos registros imobiliários proporciona maior segurança jurídica para os proprietários de terras, incentivando investimentos e o desenvolvimento econômico sustentável, o que fortalece a imagem dos Cartórios como uma ferramenta essencial à sociedade” afirma Juan Pablo Gossweiler, presidente do Operador Nacional do Registro Eletrônico de Imóveis (ONR). Em diferentes regiões, histórias de famílias que conquistam o documento tão esperado ilustram o impacto social dessa mobilização.

Em Brasília, tramita um projeto para alterar a Lei nº 13.465/2017, marco da regularização fundiária urbana e rural. Em junho de 2025, a Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados aprovou o substitutivo do deputado Thiago Flores (Republicanos-RO) ao Projeto de Lei 484/2022, do dep. Dr. Jaziel (PL-CE). O texto facilita a titulação de áreas ocupadas por entidades religiosas, permitindo regularizar terrenos ocupados até 22 de dezembro de 2016, desde que a igreja ou templo comprove constituição e funcionamento regulares.

Segundo o relator Thiago Flores, já existem normas semelhantes em vigor pelo país, “Já existe legislação em diversas esferas nesse mesmo sentido, como a do Distrito Federal, chamada ‘Programa Igreja Legal’, a de Goiás e a de municípios como Porto Velho e Curitiba”, observou em seu parecer. Ou seja, o PL federal busca harmonizar e ampliar iniciativas locais que vêm permitindo a organizações religiosas obter escrituras de seus templos.

O autor do projeto original ressalta também o viés de direitos humanos. “A regularização fundiária será mais um instrumento para o enfrentamento e o combate à intolerância religiosa, na busca da garantia da liberdade religiosa e de sua livre expressão”, afirma Dr. Jaziel. Para ele, dar o título de propriedade a igrejas consolida a legítima presença das comunidades de fé, prevenindo conflitos fundiários e promovendo paz social. A proposta ainda passará pela Comissão de Constituição e Justiça e, se aprovada, seguirá para votação nos plenários da Câmara e do Senado. 

Programas estaduais entregam títulos e cidadania em massa

Enquanto o Congresso debate novas leis, governos estaduais e Judiciários locais aceleram programas de regularização fundiária que vêm mudando o cenário em comunidades urbanas e rurais. Em Santa Catarina, por exemplo, o Programa Lar Legal, coordenado pelo Tribunal de Justiça (TJSC), completou 26 anos em 2025 com cerca de 45 mil títulos de propriedade entregues a famílias de loteamentos informais e comunidades carentes. O Programa Lar Legal já alcançou 370 comunidades catarinenses, garantindo a milhares de pessoas aquilo que aguardavam “há décadas”: o direito ao documento da casa própria. “Com o título em mãos, as famílias passam a ter acesso a financiamento, podem investir no imóvel com segurança e até negociar legalmente a propriedade. A cidade também se beneficia”, destaca o desembargador Selso de Oliveira, coordenador do programa, lembrando que a formalização permite à Prefeitura cobrar IPTU, levar infraestrutura urbana e integrar essas áreas ao planejamento municipal.

O Lar Legal tornou-se modelo exportado. “O sucesso do Lar Legal ultrapassou as fronteiras catarinenses”, aponta nota do TJSC, informando que o modelo foi replicado nos estados do Paraná, Mato Grosso do Sul e Piauí, despertando interesse de Tribunais em Minas Gerais e Bahia. Essa capilaridade explica por que outros estados adotaram programas parecidos, muitos sob nomes como Moradia Legal ou Casa Legal, frequentemente liderados pelos Tribunais de Justiça em parceria com prefeituras, Cartórios e órgãos de habitação.

No Pará, o governo estadual também priorizou a regularização como política pública, com iniciativas robustas tanto para áreas rurais quanto urbanas. Até o fim de 2024, o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) e a Companhia de Habitação (Cohab-PA) já haviam garantido mais de 35 mil títulos de terra entregues em todo o estado. “De 2019 até 2024, regularizamos 30.911 áreas rurais e urbanas, beneficiando mais de 120 mil pessoas”, contabiliza Bruno Kono, presidente do Iterpa. Ele ressalta que o Pará lidera nacionalmente a arrecadação (recuperação) de terras públicas estaduais para destinação social, “São mais de 11 milhões de hectares que passaram a estar regularizados em nome do Estado do Pará”, explica Kono. Somente em 2024, foram 12.250 títulos concedidos a famílias de 16 municípios paraenses, incluindo um grande mutirão em Ananindeua que beneficiou 3 mil pessoas (80% mulheres).

O Pará também se destaca na titulação de comunidades quilombolas. Em 2024, foram entregues 19 títulos coletivos a quilombos, beneficiando 1.406 famílias tradicionais em 10 municípios. Desde 2019, já são 44 títulos quilombolas expedidos, abrangendo 3.801 famílias e 73 mil hectares regularizados. “O Governo consolidou um modelo de governança fundiária que nos permite chegar no que chamamos de ‘Mesa Quilombola’, com múltiplos atores, Ministério Público, associações comunitárias, universidade, ou seja, sociedade civil presente no processo, em que planejamos e executamos os trabalhos de regularização fundiária”, relata Bruno Kono. A participação social ativa, segundo ele, tem sido fundamental para levar título de terra a populações tradicionais antes invisíveis aos olhos do Estado.

Paralelamente, a Cohab paraense foca na regularização urbana. Nos últimos cinco anos, mais de 5 mil títulos de propriedade urbanos foram entregues em diversos municípios. “Durante o governo Helder [Barbalho] já destinamos cerca de 5 mil títulos de propriedade para famílias em todo o Pará, garantindo que essas pessoas tenham direito à segurança jurídica, permitindo que elas possam se inscrever em programas habitacionais como o Sua Casa, entre outros”, afirma Luís André Guedes, diretor-presidente da Cohab. Ou seja, além do campo, a regularização atinge bairros periféricos e conjuntos habitacionais, integrando famílias de baixa renda a políticas públicas de moradia.

Iniciativas semelhantes se multiplicam pelo país. No Roraima, o programa “Aqui Tem Dono” já concedeu mais de 15 mil títulos definitivos de propriedade, segundo o governador Antonio Denarium. Somente em março de 2024, em Boa Vista, foram entregues 250 escrituras a moradores de nove municípios e da capital, elevando a mais de 500 títulos distribuídos apenas no primeiro trimestre de 2024. “O Governo do Estado de Roraima trabalha para isso, levar segurança jurídica. Nós já titulamos, já entregamos mais de 15 mil títulos… É o maior programa de regularização fundiária do Brasil”, destacou o governador de Roraima, Antonio Denarium.

Em São Paulo, o programa Cidade Legal (do governo estadual) e a Companhia de Desenvolvimento Habitacional (CDHU) regularizaram 88 mil unidades habitacionais de 2023 até 2024, com investimento de R$ 343,7 milhões. A gestão do governador Tarcísio de Freitas estabeleceu meta de 200 mil regularizações até 2026, e já havia alcançado cerca de 90 mil títulos entregues nos primeiros 16 meses de governo. “Vamos fazer mais de 200 mil regularizações… Temos tudo para cumprir metas definidas, mesmo que elas sejam o dobro do máximo que já foi feito”, afirmou o secretário estadual de Desenvolvimento Urbano, Marcelo Branco. Branco frisa que a regularização fundiária foi elevada ao status de política pública em São Paulo, “Isso é muito importante, porque, se não conseguimos regularizar, o município perde também a oportunidade de se desenvolver. A regularização não é só a entrega de um documento para o morador, mas traz desenvolvimento urbano, segurança jurídica, dignidade para todas as famílias”, disse o secretário.

Os registros paulistas ecoam em outros estados. No Maranhão, o instituto de terras Iterma fechou 2024 celebrando 13.436 títulos entregues em dois anos, alcançando mais de 17 mil famílias e 280 mil hectares regularizados. Já o Tocantins recebeu em junho de 2025 aquele que foi considerado o maior pacote de regularização fundiária de sua história com sete novos assentamentos que terão capacidade para beneficiar 896 famílias. Em visita ao estado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou da entrega de 169 títulos de terra para agricultores familiares e 17 escrituras para assentados da reforma agrária, além de lançar um acordo de cooperação para acelerar a titulação de 1,9 milhão de hectares de terras públicas federais no estado. Também foram doados 350 títulos urbanos a famílias de baixa renda de São Bento (TO), consolidando a posse de terrenos onde essas famílias já haviam construído suas moradias. A iniciativa fez parte do programa federal “Imóvel da Gente”, que busca dar uso social a imóveis da União. Na ocasião, o Governo Federal ressaltou que fortalecer a governança fundiária promove justiça social e desenvolvimento econômico local.

Semana Solo Seguro Favela 2025

Cartórios de Registro de Imóveis lideram uma força-tarefa nacional de regularização fundiária que, somente em 2025, garantiu cerca de 116 mil títulos de propriedade a famílias de comunidades carentes em todo o Brasil. Com prioridade de titulação para mulheres e atuação em todos os estados, o programa Solo Seguro leva moradia legal, acesso a serviços básicos e dignidade a cidadãos antes invisíveis, transformando a realidade de bairros informais.

Na Semana Solo Seguro Favela 2025, realizada de 9 a 13 de junho, foram entregues pelo menos 116.796 títulos de imóveis regularizados em todos os 26 estados e no DF. Estados como São Paulo (~20,4 mil títulos) e Pará (20 mil) lideraram em volume de registros, seguidos por Paraná (10 mil) e Piauí (7,3 mil). Cada título corresponde a uma família beneficiada, um avanço significativo diante dos mais de 5 milhões de domicílios em assentamentos irregulares estimados no país, segundo levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em 2025 houve ênfase na equidade de gênero. Ao menos 40.254 títulos (cerca de 35% do total) foram entregues em nome de mulheres, fortalecendo a segurança da posse feminina. Em tribunais como os do Acre e Mato Grosso do Sul, 100% das titulações previstas foram destinadas a mulheres, demonstrando o compromisso do programa com a proteção patrimonial e a autonomia das mulheres nas comunidades beneficiadas.

A titulação massiva traz impactos concretos. A juíza auxiliar da Corregedoria Liz Rezende explica que, com os títulos, o ocupante se torna proprietário, trazendo segurança jurídica e permitindo o acesso a serviços básicos e a programas governamentais. “Além disso, estimula a economia, organiza o espaço urbano e contribui para a preservação do meio ambiente”, completou a magistrada.

Cartórios e parcerias inovadoras aceleram a formalização

Por trás do sucesso desses programas está uma rede de colaboração interinstitucional, na qual os Cartórios extrajudiciais aparecem como protagonistas técnicos. Iniciativas nacionais recentes reforçam esse papel. Em 2024, a Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) lançou o programa Solo Seguro Favela, de abrangência nacional, voltado a regularizar núcleos urbanos informais e favelas em todo o país. A ação, regida pelo Provimento CNJ nº 158/2023, envolve forças-tarefa simultâneas nos 26 estados e no DF, com participação de tribunais de justiça, governos estaduais e municipais, registradores de imóveis, institutos de terra e associações comunitárias.

Dados do IBGE indicam que mais de 5 milhões de domicílios brasileiros estavam, em 2019, em assentamentos irregulares (favelas, invasões, palafitas etc.). Já um estudo do Ipea calculou que uma regularização massiva de imóveis urbanos informais poderia injetar R$ 202 bilhões na economia brasileira, reduzindo a desigualdade de renda em 2,4%. Ou seja, há um enorme potencial de impacto que programas como o Solo Seguro começam a explorar, e os Cartórios são peça indispensável nessa engrenagem.

O ONR, entidade que integra a estrutura do Registro de Imóveis para a implementação do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis, também tem firmado parcerias para acelerar a regularização e prevenir fraudes fundiárias. Em 2024, assinou um acordo inédito com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o CNJ para cruzar dados de registro com mapas de desmatamento na Amazônia. A ideia é identificar títulos irregulares em áreas de floresta e coibir a grilagem, modernizando serventias em municípios críticos do Amazonas e Pará. “O ONR irá informatizar uma série de serventias… atuando na identificação da origem da titulação de imóveis, verificando se a propriedade é legal… Com essa força-tarefa será possível geolocalizar os imóveis”, explicou Juan Pablo Gossweiler, presidente do ONR. Ao final do projeto-piloto (previsto para 24 meses), imóveis com indícios de fraude terão seus registros bloqueados ou cancelados. Essa iniciativa mostra o quanto a tecnologia do Registro de Imóveis pode servir de aliada tanto ao desenvolvimento sustentável quanto à regularização fundiária tradicional. “As informações registrais sistematizadas serão avaliadas, analisando… os registros com maiores taxas de desmatamento recente para, em seguida, identificar a regularidade da cadeia dominial… Os registros imobiliários ou do CAR dos imóveis rurais com indícios de irregularidades serão bloqueados, suspensos ou cancelados”, detalha Gossweiler.

Assim, Cartórios bem equipados e integrados são cada vez mais vistos como parte da solução para um problema histórico do Brasil. “A ausência de um repositório centralizado e transparente com informações fundiárias e ambientais impede uma visão clara… dificultando a identificação de irregularidades”, avalia Gossweiler, acrescentando que a digitalização e integração dos acervos cartoriais são fundamentais para superar esses gargalos. Em outras palavras, a modernização dos registros, via ONR e esforços do CNJ, tende a desburocratizar e agilizar processos de usucapião, Reurb e titulação de terras públicas.

Da posse à propriedade: histórias de transformação social

Por trás dos números expressivos e das novas leis, estão pessoas que realizam o sonho antigo de ter sua terra legalizada. “O Lar Legal impactou decisivamente a minha comunidade… porque trouxe segurança, pacificação, movimentou a economia e melhorou a qualidade de vida”, relata Vladimir Borges Ribeiro, líder comunitário do bairro Frei Damião, em Palhoça (SC), onde centenas de moradores receberam títulos graças ao programa. Em outro bairro de Palhoça, na Baixada do Maciambu, o lançamento da regularização foi marcado por comemoração coletiva, “Hoje é um dia histórico. É um sonho de muitas décadas que se realiza, é a prova de que, com o empenho da comunidade em parceria com as instituições, podemos construir uma sociedade melhor e mais justa”, disse emocionado o líder comunitário João Domingos Pereira ao ver seu loteamento finalmente reconhecido em 2022.

Histórias parecidas ecoam no Norte do país. Maria Anália, moradora de Abaetetuba (PA), tentou formalizar a posse de seu terreno por conta própria duas vezes, sem sucesso. Agora, com o título na mão, comemora a tranquilidade conquistada. “Esse título representa uma garantia para os meus filhos. Nasci e me criei nesse lugar… Agora, com essa oportunidade, sei que deixarei uma herança para os meus filhos. Estou muito satisfeita”, afirmou Maria, ao receber o documento pelo Iterpa. Também no Pará, a costureira Joana Maria, de Castanhal, conta que após 30 anos morando na mesma casa, só agora sente que ela realmente lhe pertence. “Agora com esse documento tenho uma segurança boa. A gente fica mais à vontade sabendo que a casa é da gente mesmo e ninguém tira. Isso é muito gratificante. Eu agradeço de coração ao Governo por estar fazendo isso pelo povo”, disse Joana, cujo terreno foi regularizado em 2024. Além da satisfação pessoal, ela planeja buscar crédito para ampliar a residência, um passo antes impossível sem a matrícula do imóvel.

Em Roraima, a alegria também transparece nos novos proprietários. Tânia Silva de Araújo, moradora de um bairro de Boa Vista, recebeu a escritura definitiva e descreveu: “É o sonho de qualquer pessoa… quando você passa a receber [o título], isso aí é uma segurança de que realmente agora isso é seu, de que você pode construir sem medo de mais tarde alguém chegar e falar que é dono… Para mim a entrega desse título é a maior segurança que a gente tem”. Já o produtor rural Jeremias Araújo da Silva conta que a titulação deu novo ânimo para investir em sua pequena chácara, “Eu vivo aqui há 30 anos, nunca me concederam um documento como esse. Me sinto muito importante e creio que todos que estão por lá sentem a mesma alegria. Momento de alegria e de festa pra nós”, comemorou Jeremias, que cria animais e planta mandioca e milho numa área antes considerada ilegal.

Esses relatos confirmam que regularização fundiária vai além do papel e da terra, ela toca na dignidade e na cidadania. “O significado da regularização fundiária é, você, de verdade, dar uma habitação para aquela pessoa que tem de fato a unidade, mas não a tem por direito”, resume o secretário Marcelo Branco, de São Paulo. Trata-se, em suma, de reconhecer formalmente aquilo que já era realidade de tantas famílias, integrando-as à cidade e ao campo de direitos. Ao garantir endereços, memórias e sonhos no papel timbrado do Registro de Imóveis, os Cartórios e programas parceiros cumprem não apenas uma função legal, mas social e humana. Como definiu o desembargador Selso de Oliveira, do Lar Legal, a iniciativa “cumpre uma função social primordial e traz segurança e pacificação às comunidades envolvidas”. Cada família atendida deixa de ser invisível perante o Estado, e passa a existir com nome, sobrenome e registro em Cartório.

Em tempos de retomada econômica e busca por redução da desigualdade, a regularização fundiária se consolida como ferramenta de transformação. Seja numa favela urbana ou num assentamento rural, o ato de registrar a terra renova esperanças e gera oportunidades. E o Brasil de 2024/2025 assiste a uma convergência rara, vontade política, ações coordenadas e o trabalho silencioso dos Cartórios estão, juntos, escrevendo um novo capítulo na história da propriedade da terra, um capítulo em que o título registrado representa, enfim, a cidadania conquistada.

Fonte: ANOREG/BR


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