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21/08/2025

Artigo - Instrução Normativa RFB nº 2.275: novo paradigma de transparência imobiliária

A publicação da Instrução Normativa (IN) RFB nº 2.275, de 15 de agosto de 2025, no Diário Oficial da União de 18 de agosto de 2025, marca um momento decisivo na evolução do sistema de controle e transparência das operações imobiliárias no Brasil. Essa norma regulamenta dispositivos específicos da Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, estabelecendo um novo marco regulatório que impõe obrigações inéditas aos serviços notariais e de registro.

O presente estudo tem por objetivo analisar criticamente os aspectos jurídicos e práticos dessa instrução normativa, com especial ênfase no artigo 256 da Lei Complementar nº 214/2025, que institui o conceito de “valor de referência” dos imóveis como ferramenta de estimativa do valor de mercado dos bens imobiliários. A relevância desta análise reside no fato de que tais mudanças representam uma transformação estrutural na forma como o Estado brasileiro monitora, controla e tributa as operações imobiliárias.

A metodologia empregada baseia-se na análise documental da legislação pertinente, exame da doutrina especializada e avaliação dos impactos práticos das novas obrigações impostas aos operadores do Direito Imobiliário. O estudo busca compreender como a integração obrigatória ao Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter) e a adoção do Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB) como identificador único alteram o panorama jurídico-tributário nacional.

Contexto normativo e fundamentos legais

1. Lei Complementar nº 214/2025 e a reforma tributária

A Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, representa um marco na reforma tributária brasileira, instituindo o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS). No âmbito específico dos bens imóveis, a lei estabelece um regime diferenciado que busca maior transparência e controle das operações.

O artigo 255 da referida lei complementar define as operações com imóveis sujeitas ao compartilhamento de informações, enquanto o artigo 256, objeto central desta análise, estabelece a metodologia para apuração do valor de referência dos imóveis. Essa sistematização normativa reflete a preocupação do legislador em criar mecanismos eficazes de controle e fiscalização das operações imobiliárias.

2. Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter)

O Sinter, instituído pelo Decreto nº 11.208, de 26 de setembro de 2022, constitui a plataforma tecnológica central para a integração de informações territoriais no país. A Instrução Normativa RFB nº 2.275/2025 torna obrigatória a integração dos serviços notariais e de registro a este sistema, estabelecendo um fluxo automático de compartilhamento de informações com as administrações tributárias.

Esta integração representa uma mudança qualitativa significativa, pois transforma o Sinter de um sistema de gestão territorial em uma ferramenta de controle tributário em tempo real. A obrigatoriedade do compartilhamento “imediatamente após a lavratura ou registro de ato relativo a imóvel” (artigo 3º da IN 2.275/2025) evidencia a intenção de criar um sistema de monitoramento contínuo das operações imobiliárias.

Análise detalhada do artigo 256 da Lei Complementar nº 214/2025

1. Conceito e natureza jurídica do valor de referência

O artigo 256 da Lei Complementar nº 214/2025 estabelece que “as administrações tributárias poderão apurar o valor de referência do imóvel, na forma do regulamento, por meio de metodologia específica para estimar o valor de mercado dos bens imóveis”. Essa disposição introduz um conceito jurídico novo no ordenamento brasileiro: o valor de referência como estimativa oficial do valor de mercado dos imóveis.

A natureza jurídica deste valor de referência é complexa e merece análise cuidadosa. Não se trata de uma avaliação definitiva ou vinculante, mas sim de uma estimativa baseada em critérios objetivos e metodologia específica. O parágrafo 1º do artigo 256 esclarece que este valor “poderá ser utilizado como meio de prova nos casos de arbitramento do valor da operação nos termos do art. 13, em conjunto com as demais características da operação”.

2. Metodologia de apuração: critérios e parâmetros

O artigo 256 estabelece quatro critérios fundamentais para a apuração do valor de referência:

I – Análise de preços praticados no mercado imobiliário: Esse critério busca fundamentar a estimativa em dados reais de mercado, conferindo objetividade e aderência à realidade econômica. A metodologia deve considerar transações comparáveis, levando em conta fatores como localização, tipologia e características similares.

II – Informações enviadas pelas administrações tributárias dos municípios, do Distrito Federal, dos estados e da União: A integração de dados das diferentes esferas federativas permite uma visão abrangente do mercado imobiliário, considerando as especificidades locais e regionais. Essa cooperação intergovernamental é essencial para a eficácia do sistema.

III – Informações prestadas pelos serviços registrais e notariais: os cartórios, como depositários das informações sobre as operações imobiliárias, fornecem dados primários essenciais para a construção do valor de referência. A Instrução Normativa RFB nº 2.275/2025 regulamenta especificamente esta obrigação de compartilhamento.

IV – Localização, tipologia, destinação e data, padrão e área de construção, entre outras características do bem imóvel: Este critério reconhece a importância das características físicas e jurídicas do imóvel na determinação de seu valor, permitindo uma avaliação mais precisa e individualizada.

3. Obrigações de divulgação e atualização

O parágrafo 2º do artigo 256 estabelece três obrigações fundamentais relacionadas ao valor de referência:

Divulgação no Sinter: a obrigatoriedade de divulgação no Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais garante transparência e acesso público às informações. Essa medida representa um avanço significativo em termos de transparência governamental e permite que os cidadãos tenham acesso aos valores de referência de seus imóveis.

Estimativa para todos os imóveis do CIB: a universalidade da cobertura, abrangendo todos os bens imóveis que integram o Cadastro Imobiliário Brasileiro, demonstra a ambição do sistema em criar uma base de dados abrangente e completa do patrimônio imobiliário nacional.

Atualização anual: a periodicidade anual de atualização busca manter a aderência dos valores de referência à realidade de mercado, considerando as flutuações econômicas e as mudanças nas condições do mercado imobiliário.

4. Direito de impugnação

O parágrafo 3º do artigo 256 assegura o direito de impugnação do valor de referência “por meio de procedimento específico, nos termos do regulamento”. Essa garantia é fundamental para preservar os direitos dos proprietários e assegurar o devido processo legal. O direito de impugnação constitui uma salvaguarda contra eventuais distorções ou erros na metodologia de apuração, permitindo a correção de valores que não reflitam adequadamente a realidade de mercado.

IN RFB nº 2.275/2025: aspectos operacionais

1. Obrigações dos serviços notariais e de registro

A instrução normativa estabelece duas obrigações principais para os serviços notariais e de registro:

Integração ao Sinter: O artigo 2º determina que os cartórios “deverão integrar-se ao Sinter para o compartilhamento de informações e documentos” relativos às operações imobiliárias e aos bens imóveis registrados. Essa integração deve ser realizada por meio de sistema eletrônico disponibilizado pela Receita Federal, garantindo padronização e segurança na transmissão de dados.

Adoção do CIB: o artigo 5º estabelece a obrigatoriedade de adoção do código de identificação único do Cadastro Imobiliário Brasileiro, que deverá constar de sistemas e documentos lavrados ou registrados. Essa medida visa criar um sistema unificado de identificação de imóveis em todo o território nacional.

2. Cronograma de implementação

A instrução normativa prevê um cronograma de implementação estabelecido em plano de trabalho interinstitucional pactuado entre a Receita Federal, o Conselho Nacional de Justiça e os operadores dos registros públicos. Essa abordagem colaborativa reconhece a complexidade da implementação e a necessidade de coordenação entre diferentes instituições.

3. Regime sancionatório

O artigo 6º da Instrução Normativa estabelece que o descumprimento das obrigações será comunicado ao Conselho Nacional de Justiça e sujeitará o infrator às penalidades previstas no artigo 57 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001. O artigo 7º assegura a observância do contraditório e da ampla defesa na aplicação das penalidades, preservando as garantias constitucionais do devido processo legal.

Impactos jurídicos e práticos

1. Transformação do controle tributário

A implementação da Instrução Normativa RFB nº 2.275/2025 representa uma transformação qualitativa no controle tributário das operações imobiliárias. O compartilhamento automático de informações cria um sistema de monitoramento em tempo real que permite às administrações tributárias identificarem discrepâncias entre valores declarados e valores de mercado.

Essa mudança tem implicações significativas para os contribuintes, que passam a operar em um ambiente de maior transparência e controle. A possibilidade de arbitramento do valor da operação com base no valor de referência (artigo 256, § 1º) confere às autoridades fiscais uma ferramenta poderosa para combater a sonegação e a elisão fiscal.

2. Impactos na atividade notarial e registral

Os serviços notariais e de registro assumem, com a nova regulamentação, um papel central no sistema de controle tributário. A obrigação de compartilhamento imediato de informações transforma os cartórios em agentes de arrecadação e fiscalização, ampliando significativamente suas responsabilidades.

Essa mudança exige adaptações tecnológicas e operacionais significativas, incluindo a integração de sistemas, treinamento de pessoal e adequação de procedimentos. O cronograma de implementação previsto no plano de trabalho interinstitucional busca minimizar os impactos desta transição.

3. Direitos dos proprietários e garantias constitucionais

A implementação do sistema de valor de referência deve observar rigorosamente as garantias constitucionais, especialmente o direito de propriedade e o devido processo legal. O direito de impugnação previsto no artigo 256, § 3º, constitui uma salvaguarda essencial, mas sua efetividade dependerá da regulamentação específica do procedimento.

A transparência na divulgação dos valores de referência, embora represente um avanço em termos de acesso à informação, pode gerar impactos no mercado imobiliário e na privacidade dos proprietários. É fundamental que a implementação do sistema considere estes aspectos e estabeleça mecanismos adequados de proteção de dados pessoais.

Considerações finais

A Instrução Normativa RFB nº 2.275/2025 e o artigo 256 da Lei Complementar nº 214/2025 representam um marco na evolução do sistema tributário brasileiro, estabelecendo um novo paradigma de transparência e controle das operações imobiliárias. A criação do conceito de valor de referência e a obrigatoriedade de integração ao Sinter constituem ferramentas poderosas para o combate à sonegação e para a melhoria da eficiência arrecadatória.

No entanto, a implementação deste sistema exige cuidado especial na preservação dos direitos fundamentais e na observância das garantias constitucionais. O sucesso da nova regulamentação dependerá da capacidade das instituições envolvidas em equilibrar os objetivos de controle tributário com a proteção dos direitos dos contribuintes.

A análise do artigo 256 da Lei Complementar nº 214/2025 revela a sofisticação da metodologia proposta para apuração do valor de referência, que busca combinar objetividade técnica com flexibilidade operacional. A integração de múltiplas fontes de informação e a previsão de atualização periódica demonstram a preocupação em manter a aderência do sistema à realidade de mercado.

Por fim, é fundamental que a implementação da Instrução Normativa seja acompanhada de regulamentação detalhada dos procedimentos de impugnação e de mecanismos eficazes de proteção de dados, garantindo que o avanço na transparência tributária não comprometa os direitos fundamentais dos cidadãos. O desafio está em construir um sistema que seja, simultaneamente, eficaz no controle tributário e respeitoso aos princípios constitucionais que regem o Estado Democrático de Direito.

Referências

BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025. Institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre Estados, Municípios e Distrito Federal, de que trata o art. 156-A da Constituição Federal; a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, de que trata o inciso V do caput do art. 195 da Constituição Federal; cria o Comitê Gestor do IBS e altera a legislação tributária. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 jan. 2025.

BRASIL. Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil. Instrução Normativa RFB nº 2.275, de 15 de agosto de 2025. Dispõe sobre as obrigações atribuídas aos serviços notariais e de registro pela Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, relativas ao compartilhamento, com as administrações tributárias, de informações e documentos relacionados a operações com bens imóveis urbanos e rurais, por meio do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais – Sinter e à adoção do Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB) como identificador único de bens imóveis urbanos e rurais. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 ago. 2025.

BRASIL. Decreto nº 11.208, de 26 de setembro de 2022. Regulamenta o Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais e o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 set. 2022.

BRASIL. Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001. Altera a legislação das Contribuições para a Seguridade Social – Cofins, para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/Pasep e do Imposto sobre a Renda, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 ago. 2001.

Fonte: Conjur


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