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01/12/2025

Tokenização no mercado imobiliário precisa do cartório como “hub de confiança”, defendem especialistas no congresso da ANOREG/BR

A tokenização de ativos imobiliários e financeiros só será sustentável no Brasil se for “colonizada” pelos princípios do Direito e ancorada no sistema registral, especialmente no Registro de Imóveis. Essa foi a síntese do painel “A tokenização no mercado imobiliário e financeiro brasileiro”, que abriu o último dia do XXV Congresso Brasileiro de Direito Notarial e de Registro (Congresso da ANOREG/BR) e da VIII Conferência Nacional dos Cartórios (CONCART).

O painel contou com a participação de Juan Pablo, presidente do Operador Nacional dos Registros (ONR), Marcos Oliveira, advogado e consultor especialista em Cartórios), Marcos Mares Guia, advogado e doutorando pela UnB e Lucas Carapiá, advogado e especialista em sistemas digitais, blockchain e Drex.

Abrindo o debate, Marcos Oliveira, advogado que atua na representação de tabelionatos de protesto diante do sistema financeiro, lembrou que a discussão sobre tokenização não é tão recente quanto parece.

Segundo ele, o Brasil já convive com um ambiente regulado de títulos eletrônicos, como as duplicatas escriturais, com impacto direto sobre os Cartórios de protesto. “Nós já estamos falando hoje, no âmbito desse segmento, de um mercado já regulado e de um mercado onde já tem a figura dos seus registradores, escrituradores e duplicatas escriturais”, pontuou.

Ele destacou que, do outro lado da mesa, está um cliente poderoso e exigente: o sistema financeiro. “O mercado quer saber o que é mais barato e mais eficiente, porque é tudo urgente. A liquidação é em tempo real. O PIX está aí e ninguém quer saber de voltar ao que não era o PIX”, afirmou.

Para Marcos Oliveira, negar a modernização é inviável – a questão é como posicionar os Cartórios nesse novo ambiente. “Remar contra isso é perda de tempo, é ineficiência”, resumiu, reforçando que o desafio é “entender as necessidades do mercado” sem abrir mão da segurança jurídica.

Já Marcos Mares Guia, advogado, especialista em Direito Empresarial e Administrativo e doutorando pela UnB, chamou atenção para a euforia em torno de blockchain, web3 e tokenização. Para ele, quando se fala em tokenização imobiliária, é indispensável distinguir direitos obrigacionais (contratos, “contratos de gaveta digitais”) de direitos reais (propriedade efetivamente registrada).

Ao comentar a polêmica resolução do COFECI/COFESI sobre transações imobiliárias digitais – suspensa judicialmente – Mares Guia foi enfático ao criticar a tentativa de criar um “sistema paralelo” à margem dos registros públicos. “Essa resolução, embora anunciasse tratar de regulação de profissão, extravasou sua competência e instituiu um verdadeiro sistema de transações imobiliárias digitais, inclusive com figuras de trust, agente de custódia e regras de direito civil. Ela prometia facilitar as transações, mas na prática criava um sistema opaco, à margem da publicidade registral.”

Em contraponto, ele avaliou que o PL 4.438/2025, que trata da tokenização de imóveis, caminha em direção mais segura ao reafirmar a centralidade dos registros públicos. “Não vou dizer que o projeto é perfeito, mas, entre a história que oferece um sistema paralelo e a lógica que parte da ‘matrícula tokenizada’ dentro do sistema registral, o PL talvez seja uma direção mais acertada”, ponderou.

“A ideia não é refutar a tecnologia, mas colonizá-la com juridicidade, achar um ponto de equilíbrio entre segurança jurídica — que é o produto da atividade notarial e registral — e as soluções tecnológicas.”

Na sequência, Juan Pablo, presidente do Operador Nacional dos Registros (ONR), levou o debate para o núcleo constitucional da questão: o direito de propriedade.

“Para falar de tokenização imobiliária, a gente precisa falar de direito de propriedade. Ele é direito fundamental, está no artigo 5º da Constituição e também como princípio da ordem econômica no artigo 170. Não é qualquer coisa”, afirmou.

Ele lembrou que a própria Constituição reserva aos registradores de imóveis e aos notários a competência para a formalização e a transferência da propriedade imobiliária, e destacou o papel do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), operado pelo ONR e fiscalizado pelo CNJ.

“Direito de propriedade não é o clique que vai resolver. Nós fazemos qualificação jurídica, fiscalizamos tributos, analisamos direito de família, sucessões, garantias, aspectos ambientais. Uma rede blockchain, sozinha, ainda não consegue contemplar essa complexidade”, afirmou.

Sobre o modo como parte do mercado tenta vender a ideia de tokenização da “propriedade digital”, ele foi direto. “Há uma confusão enorme. A tokenização não acontece no âmbito registral; ela acontece no mercado, num nível obrigacional. O direito real é sagrado, não se mexe assim. Ele fica parado na matrícula. Tokenizar é mexer no nível obrigacional, não no direito real”.

Para ele, a tokenização pode e deve avançar, mas dentro do modelo constitucional e legal já existente. “Nós entendemos que a tokenização pode avançar pelo ONR, com base na Lei 13.465, devidamente regulamentada pelo CNJ, integrando mundo digital e mundo registral, com a devida segurança jurídica. O registro de imóveis não é o abacaxi do quadro do Silvio Santos para ser trocado por uma promessa tecnológica”, ironizou, lembrando o famoso quadro de TV: “Você troca o registro de imóveis pelo abacaxi? Nós entendemos que não.”

Fechando o painel, Lucas Carapiá, advogado criminalista, especialista em sistemas digitais, criptoativos, Drex e compliance, buscou “dar alguns passos atrás” para explicar a arquitetura tecnológica que sustenta toda essa discussão.

“Antes de chegar no token, vem a blockchain. É ela que viabiliza essa comunicação ‘peer to peer’ sem intermediário e que coloca em xeque modelos tradicionais centralizados de regulação”, explicou.

Ele destacou que a tecnologia blockchain e as finanças descentralizadas (DeFi) representam um desafio gigantesco aos modelos regulatórios, mas já são uma realidade irreversível:

“Não dá pra não usar a blockchain mais. Blockchain não é tecnologia de porão. O Banco Central já desenvolve blockchain, a CVM já desenvolve, o setor notarial e registral está conectado a isso. A questão não é se vamos usar, mas como vamos usar.”

Para Carapiá, o ponto crítico não está apenas na existência do token, mas na qualidade da informação que entra na rede. “A grande questão é: quem põe a informação lá dentro? Como eu sei se aquela garantia é o que diz ser? A confiança não está só no código, está em quem fornece o dado. E aí o Cartório tem tudo a ver com isso, porque é o ‘hub’ da economia real”, afirmou.

Ele lembrou ainda o avanço do ambiente regulatório brasileiro — com Banco Central, CVM, Receita Federal, CNJ e COAF atuando em paralelo — e reforçou o protagonismo dos cartórios em um mercado cada vez mais lastreado em crédito.

Ao final, os quatro painelistas convergiram na mesma mensagem central: não se trata de negar a tokenização ou a digitalização, mas de garantir que elas sejam incorporadas dentro das balizas constitucionais, legais e institucionais dos registros públicos, especialmente com o ONR como infraestrutura nacional de interoperabilidade.

Nas palavras de Marcos Oliveira, o registrador e o tabelião são o ponto de apoio que o mercado financeiro procura. “O grande diferencial é ter, do outro lado, uma plataforma com delegatários responsáveis, que mitigam risco. Esse ‘ramo de confiança’ entre Cartórios, sistema financeiro e plataformas tecnológicas pode ser transformador para a política monetária de ativos reais com liquidação imediata e segurança jurídica absoluta”, concluiu.

Confira as fotos do momento.

Fonte: Assessoria de Comunicação da ANOREG/BR


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