O enfrentamento à violência de gênero, a independência econômica das mulheres e o papel social dos Cartórios estiveram no centro do painel “Projeto ELLAS e sua Evolução”, realizado no dia 27 de novembro, durante o XXV Congresso Brasileiro de Direito Notarial e de Registro (Congresso da ANOREG/BR) e a VIII Conferência Nacional dos Cartórios (CONCART), em Brasília.
O painel foi conduzido por Fabiana Aurich, presidente da ANOREG/ES), Ionara Gaioso, tabeliã de Protesto e vice-presidente do IEPTB, e Karoline Cabral, registradora de imóveis e presidente da RIB/BA), e contou com a participação da ministra das Mulheres, Márcia Helena Lopes, da ex-Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, além de lideranças femininas ligadas ao Projeto ELLAS e ao Projeto Amarajó.
Convidada especial do painel, a ex-Procuradora-Geral da República fez uma reflexão contundente sobre a realidade brasileira. Ela lembrou que o país figura entre as maiores economias do mundo, mas ainda carrega índices alarmantes de desigualdade – especialmente para as mulheres.
“Apesar desta evolução de direitos e liberdades, as mulheres ainda continuam vítimas de muita violência física, psicológica, institucional e burocrática”, afirmou.
Raquel destacou o papel estratégico de iniciativas como o Projeto ELLAS e o Projeto Amarajó, que unem o sistema extrajudicial a ações concretas de promoção da dignidade feminina, especialmente em áreas de extrema vulnerabilidade, como a Ilha do Marajó.
“A independência financeira das mulheres é, ao lado da norma que assegura igualdade de direitos e liberdades, um elemento muito importante para o próprio exercício dos direitos”, ressaltou, ao comentar a proposta do projeto de oferecer formação profissional e geração de renda para mulheres da região.
Ao falar sobre a presença de mulheres em cargos de poder, Dodge defendeu que a pauta feminina não é “segmentada”. “A agenda de trabalho das mulheres é igual à agenda de trabalho dos homens. A diferença — e a grande contribuição que podemos dar — está no modo distinto como enxergamos a realidade e definimos estratégias de atuação”.
A ministra das Mulheres, Márcia Helena Lopes, também dividiu a mesa e reforçou a importância da articulação entre poder público e iniciativa privada na defesa da vida das mulheres. Ela lembrou que o Brasil convive com números inaceitáveis de violência. “O ano passado tivemos 1.496 feminicídios. Este ano já são mais de 1.100 casos. São, em média, quatro mulheres morrendo por dia por serem mulheres. Nós não podemos achar que isso é normal ou natural”, afirmou.
Márcia destacou o papel capilar dos Cartórios — presentes em praticamente todos os municípios do país — como aliados estratégicos na disseminação de informação, acolhimento e encaminhamento de casos de violência. “Vocês chegam aonde muitas políticas públicas ainda não chegam. Cada Cartório pode ser uma porta de informação, de acolhida e de orientação. Não é só ‘fazer o ato’ e pronto. É compreender o território, a pobreza, as vulnerabilidades que passam pela porta todos os dias”.
A ministra fez ainda um apelo para que a rede extrajudicial ajude a divulgar o Ligue 180 e os serviços de proteção. “Peço que coloquem cartazes, informação visível. O 180 é um serviço qualificado e sigiloso. Sozinhos não vamos dar escala às políticas públicas; precisamos de instituições como a ANOREG e seus Cartórios ao nosso lado”.
Projeto ELLAS e Amarajó
Em tom emocionado e muito próximo do público, a registradora de imóveis e presidente da RIB/BA, Karoline Cabral, apresentou a visão do Projeto ELLAS e sua atuação concreta na Ilha do Marajó, por meio do Projeto Amarajó.
Ela recorreu a uma metáfora para explicar o papel transformador do projeto na vida das mulheres atendidas. “Desde menina eu me imagino como um barquinho no meio do oceano. Às vezes, sozinha, a gente não consegue mudar a direção do barco. E é aí que entram os ventos. Eu não tenho o direito, no grau que consegui chegar, de não tentar ser vento na vida de alguém”, disse.
Karoline lembrou que o ELLAS não é um projeto “de mulheres para mulheres”, mas um movimento coletivo. “É um projeto de seres humanos por seres humanos. Homens e mulheres olhando para uma realidade dura — de violência, pobreza, exploração — e decidindo ser vento bom para mudar essa rota”, explicou.
Na sequência, Ionara Gaioso aprofundou a apresentação do Projeto Amarajó, que vai oferecer capacitação em corte e costura, acolhimento emocional e contraturno para crianças na casa-escola que está sendo implantada em Portel (PA). “Trazer dignidade e independência financeira não resolve tudo de imediato, mas dá pelo menos a chave da porta de saída. Dá a essas mulheres a chance de dizer ‘chega’ e de romper com gerações de violência”, afirmou.
Ionara destacou que todo o avanço inicial do projeto — contratação de equipe técnica, definição do espaço físico, estruturação das atividades — foi possível graças à contribuição de um grupo ainda pequeno de Cartórios. “Com a contribuição de apenas 36 Cartórios, de mais de 13 mil existentes no país, já conseguimos tirar o projeto do papel. Imaginem o que podemos fazer quando estivermos unidos de verdade”, provocou.
Fabiana Aurich evidenciou que o projeto nasce dentro do sistema extrajudicial, mas aponta para fora, em direção à realidade concreta de meninas e mulheres em situação de extrema vulnerabilidade.
Ao agradecer a presença das convidadas e conclamar a categoria à adesão, Fabiana ressaltou que os Cartórios, pela capilaridade e pela confiança social que possuem, têm condições únicas de impulsionar mudanças estruturais. Ela lembrou que iniciativas como o Projeto ELLAS e o Projeto Amarajó não substituem o papel do Estado, mas complementam e pressionam por políticas mais eficazes. Na visão da presidente da ANOREG/ES, cada serventia que se engaja no projeto funciona como um “ponto de apoio” para romper ciclos de violência e desigualdade.
Idealizadora e uma das principais articuladoras do Projeto ELLAS, a presidente da ANOREG/PA e diretora da ANOREG/BR, Moema Locatelli Belluzzo, subiu ao palco para reforçar o espírito do programa, voltado à equidade, liderança, letramento, ações e responsabilidade social.
Ela lembrou que muitas das mulheres presentes no auditório ocupam posições de privilégio e que o projeto nasce justamente da consciência dessa responsabilidade. “Nós somos privilegiadas. O ELLAS não existe por nós, mas por tantas e tantas mulheres que vivem violência sexual, psicológica, moral, preconceito e pobreza extrema. É um espaço de acolhimento e de mobilização”, afirmou.
Moema também destacou a força coletiva do extrajudicial. “Somos a instituição mais confiável do país, com mais de 13 mil Cartórios espalhados pelo Brasil. Nossa maior força é a união. Imagina essa capilaridade a serviço de um projeto social nosso, sério, contínuo, que não chega, promete e vai embora, mas que fica e entrega resultados.”
Medalha ELLAS homenageia mulheres que abrem caminhos
Um dos pontos altos do painel foi a entrega da Medalha ELLAS, honraria criada para reconhecer mulheres que abriram portas, inspiraram outras trajetórias e se destacam na promoção da equidade de gênero e da justiça social.
Nesta edição, receberam a Medalha ELLAS:
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Fonte: Assessoria de Comunicação da ANOREG/BR